“Nunca mais quero voltar!” Professor relata trauma com o filho em São Januário

O professor de Educação Física juiz-forano, Felipe Nery, 40 anos, relatou nas redes sociais nesta sexta-feira, dia 23, o drama que viveu na noite anterior.

Responsável pela escolinha de futsal que leva seu nome e do Cascatinha Country Club, Felipe, casado com a também vascaína Juliana, levou o filho Theo, de 8 anos, ao jogo entre Vasco e Goiás, disputado no estádio cruz-maltino em São Januário, pelo Campeonato Brasileiro, na noite de quinta-feira, dia 22.

O Vasco foi derrotado por 1 a 0 e depois da partida o estádio e seus arredores viveram momentos de muita tensão, devido aos protestos e tumultos provocados por alguns torcedores, revoltados com o resultado da partida e o mau momento do clube carioca, novamente ameaçado de rebaixamento para a Série B do futebol brasileiro.

Felipe Nery e o filho Theo: o futebol de sonhos em noite de pesadelo

Vejam a íntegra do desabafo de Felipe Nery feito nas redes sociais:

ME DESCULPE FAMÍLIA

Quem me conhece sabe o quanto sou apaixonado por futebol. Sempre sonhei em ter um filho que pudesse ser meu amigo, companheiro de vida, e que compartilhasse dos mesmos gostos e sonhos…

Este, por sinal, era o meu maior sonho: poder levá-lo no estádio do Vasco e mostrar a ele a paixão e a emoção que o esporte nos proporciona…

Dedico minha vida inteira em guiar e aguçar nas crianças o prazer e o amor que o futebol é capaz. Mas o dia de ontem mostrou ao meu filho uma versão que eu jamais gostaria.

Ao ponto dele virar pra mim e dizer que jamais gostaria de voltar.

PELO AMOR DE DEUS PAI: NUNCA MAIS QUERO VOLTAR.

Não sabem o tanto que doeu em mim, ouvir isso dele.

A cada bomba estourada perto de nós, um grito pedindo socorro… a cada spray de pimenta, uma tosse e gritos: pai, minha garganta tá ardendo, tô sem ar! Me leva embora por favor!

Explosões e tiros fazendo de um espetáculo um ambiente de guerra. Coisas que não condizem com esse esporte apaixonante que é .

O estádio vai ficar interditado? Com certeza. Mas quem deveria ser interditado de verdade, eram esses bandidos ultrajados de torcedor. Dinheiro gasto pra ir? É o de menos.

Minha luta agora é remar para que um dia meu filho sinta de verdade o que é futebol.

Me desculpem

 

Desespero total

Ao Toque de Bola, o professor revelou mais detalhes. “Eu tinha um sonho há muito tempo de levá-lo ao estádio, para ele ficar ainda mais apaixonado por esporte. Era praticamente torcida única, acreditava muito na vitória do Vasco e resolvi levar. Eu já tinha levado Theo, então com um aninho de idade, ao jogo Tupi x Vasco pela Série B em Juiz de Fora e naquele dia tiramos uma foto dele com o então goleiro cruzmaltino, Martín Silva”, afirma.

Mesmo sem ser sócio-torcedor, Felipe conseguiu comprar os ingressos e foi ao Rio de Janeiro com esposa e filho para ver a partida. “Antes do jogo, tudo maneiro, lindo, ele cantando… Num certo ponto do segundo tempo, porém, a torcida ficou mais tensa, as coisas foram dificultando e começou uma briga na parte das torcidas organizadas e nós estávamos na parte das sociais, que é mais tranquila. Graças a Deus ficamos na social. O bicho pegou na arquibancada, até na área vip, e foi um desespero total”, revela.

“Eles vão matar a gente, pai”

  “Vi a torcida organizada jogar artefatos contra a própria torcida, contra os camarotes, estourando vidraças, rojões, sinalizadores, muito barulho de tiro, polícia contra estes bandidos. E o gás de pimenta chegou até a parte social. Foi quando corremos então para sair dali com medo desta torcida organizada invadir o espaço, e o Theo ficou com muito medo. “Se o pessoal (da organizada) conseguir passar para o lado de cá eles vão matar a gente, nós vamos morrer”. Eu explicando para ele, a gente correndo, e ele estava ficando sem ar por conta do gás. Tossindo muito, com a vista, nariz e garganta ardendo e a gente não conseguindo sair dali. Nos deparamos com um portão e muita briga lá fora. E aí os bombeiros passaram e conseguiram levar o Theo para dentro da ambulância. Lá fizeram a lavagem do rosto, da vista dele com soro. Ficamos por lá até as coisas se acalmarem. Foi um clima bem triste. Pavoroso. E ele falava: “pai, não quero voltar nunca mais. Não me traga aqui nunca mais, pelo amor de Deus, quero ir embora”.

Então o sonho que eu tinha, de proporcionar para ele um momento mágico, que é o futebol, acabou se tornando um pesadelo, e o que eu “remei” nesse tempo todo, mostrando vídeos, incentivando, terei que “remar” tudo de novo. Para tentar tirar este bloqueio dele, poder se Deus quiser um dia levá-lo, e apagar esta experiência ruim que ele teve. Fazer co m que ele tenha uma experiência que realmente o esporte nos proporciona”.

  Punição

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) puniu preentivamente o Vasco no dia seguinte à noite tensa vivida pelo professor. Por 30 dias, os jogos em São Januário não terão presença de torcida. E nas partidas fora de casa, por este mesmo período, não será permitida venda de ingressos aos torcedores do clubes carioca.

Texto: Ivan Elias – Toque de Bola

Foto: Arquivo Pessoal

Ivan Elias

Ivan Elias, associado do Panathlon Club de Juiz de Fora, é jornalista, formado em Comunicação Social pela UFJF. Trabalhou por mais de 11 anos no Sistema Solar de Comunicação (Rádio Solar e jornal Tribuna de Minas), em Juiz de Fora. Participou de centenas de transmissões esportivas ao vivo (futebol, vôlei, etc). Apresentou diversos programas de esporte e de humor, incluindo a criação de personagens. Já foi freelancer da Folha de S. Paulo, atuou como produtor de matérias de TV e em 2007 e 2008 “defendeu” o Tupi, na Bancada Democrática do Alterosa Esporte, da TV Alterosa (SBT-Minas). Criou, em 2010, ao lado de Mônica Valentim, o então blog Toque de Bola que hoje é Portal, aplicativo, Spotify, Canal no Youtube e está no Twitter, Instagram e Facebook, formando a maior vitrine de exposição do esporte local É filiado à Associação Mineira de Cronistas Esportivos (AMCE) e Associação Brasileira de Cronistas Esportivos (Abrace).

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