Na noite de sábado, eu me imaginei andando de skate nas Olimpíadas. Poderia dizer que, na minha imaginação, fiz manobras lindas e complicadas, mas não fui tão longe assim. Não seria prata como Kelvin Hoefler, afinal de contas, meu DNA digno de bolinha de pinball garantiria muitos tombos.
E estaria feliz. Afinal de contas, estaria entre as melhores atletas no maior evento esportivo do planeta.
Nunca me imaginei no judô ou em outra arte marcial. Afobada que sou, ao tentar acabar rápido com a luta, seria derrotada, com todos os méritos, pela adversária. Conheço bem demais meus defeitos para poder prever isso.
Também não cairia nas piscinas em nenhuma modalidade. O motivo: quase afoguei duas vezes, o que claramente demonstra que natação não é meu esporte nesta vida.
No entanto, em outras Olimpíadas, eu me imaginei na prova do arco e flecha, acertando o alvo em posições de alta pontuação. Também me vi elegante e conduzindo um cavalo lindo nas provas de salto do hipismo. Creio que o motivo é que a beleza que enxergo nos gestuais, rituais e técnicas destas duas modalidades que me faz desejar fazer parte delas, nem que seja em uma vida paralela.
Talvez se existir mesmo um multiverso, como afirmam a Marvel e a DC, haja algumas variantes olímpicas desta Roberta. Nesta realidade, no ano da graça de 2021, vivo sem sair da minha casa, por meio de outras pessoas, brasileiras ou não, que realizaram meu sonho de ser uma atleta olímpica.
Direto do túnel do tempo
Barcelona-1992. Lá estava eu correndo para chegar em casa vindo do dentista ou da catequese para ver os jogos de vôlei. Começando a entender o que era passe, manchete, saque viagem, ganhar vantagem para confirmar os pontos. Querendo ser levantadora e comandar uma equipe na quadra.
Por causa de Maurício e Giovane, pedi de aniversário para entrar em uma escolinha de vôlei. E passei os anos seguintes antes do vestibular treinando na escolinha do Sport Club. Aprendendo sobre esforço, prática constante, dedicação, disciplina e trabalho em equipe. Tudo que pude levar para minha vida fora das quadras – como jornalista, como cidadã, como pessoa.
Representatividade
O esporte contribui para a formação do caráter de quem o pratica. Serve como uma plataforma para diversas causas ganharem os holofotes: os protestos contra o racismo, contra a discriminação contra atletas LGBTQIA+, para mostrar que a fé merece ser honrada. Este palco – quando bem utilizado – muda vidas para melhor.
Por isso, tantas pessoas se veem refletidas nos atletas olímpicos. Eu chorei quando vi Naomi Osaka recebendo a chama olímpica e se encaminhado para acender a pira olímpica em forma de flor na cerimônia de abertura.
A jovem tenista que em Roland Garros tornou pública a luta contra inimigos mais difíceis que qualquer adversária em quadra: a depressão e a ansiedade. Uma luta que outras pessoas como ela e eu enfrentamos todo santo dia. Muitos pensam estar sozinhos, mas tem muita companhia nessa trincheira para buscar o tratamento e seguir em frente.
Fé e respeito
Nesta semana, as religiões de matrizes africanas foram mencionadas com o respeito que merecem porque Paulinho que, nas palavras dele, segue esta “filosofia de vida” celebrou um gol disparando a flecha de Oxóssi.
Várias garotas das equipes de futebol se ajoelharam contra o racismo antes das partidas.
As garotas da seleção brasileira de futebol se uniram em uma roda após o empate com a Holanda pela segunda rodada e rezaram. Ver aquele grupo tão diverso em idades, origens, estágios de vida e carreira, orientações sexuais, solteiras ou mães, brasileiras ou não, rezando em uníssono aqueceu meu coração.
Elas me trouxeram fé em dias melhores de que, algum dia, o respeito a todos será uma realidade. Difícil, eu sei. Exige uma maturidade que a humanidade não demonstra ter atualmente. Afinal de contas, como conseguir respeito em um mundo onde a ignorância e a mentira ainda enganam e provocam danos com reparos complexos.
Simbolismo
Durante 15 dias de Olimpíadas eu vou me permitir sentir esta esperança. Pode ser uma espécie de alienação emocional? Provavelmente. Mesmo assim, vou me concentrar nas histórias e superações de atletas que não conheço pessoalmente – e vou buscar ao máximo aprender com elas e com eles. Vibrar e celebrar os feitos e conquistas de cada um. Chorar com quem vencer e com quem perder.
Vou torcer para que todos fiquem e permaneçam saudáveis durante e depois da competição. Sim, ainda estamos em pandemia – e perdendo vergonhosamente por várias razões detalhadas diariamente nos noticiários.
É uma situação complexa demais saber racionalmente que não seria o melhor momento para um evento desta proporção mesmo com todas as restrições. E, ao mesmo tempo, desejar este conforto de ver pessoas celebrando suas vitórias, independente se elas vêm em com medalhas em um pódio.
“A gente teve experiência nesse ano passado que a vida é um sopro, então vamos fazer o que a gente gosta”, foi o que disse Juliana Ferreira Santiago, integrante do time Sempre Amigas, em entrevista no Garotas no Toque.
Vou me permitir seguir o voo dos grous da Manchúria, os tsurus, que ganharam o mundo em forma de origamis. Os símbolos de fortuna, longevidade, boa sorte, saúde e felicidade. Muito obrigada, Olimpíadas, por me permitir recarregar a bateria com tudo de que se precisa muito agora no mundo.