Exclusivo! Helenize de Freitas: histórias e conselhos de quem ama o esporte  

Helenize de Freitas

“Minha vida foi bem agitada, viajava bastante, foi muito bom”. Os recortes e imagens que ilustram esta matéria mostram que o esporte pode dar asas ao talento, ainda mais quando já está no DNA.

Helenize de Freitas, mineira de São João Nepomunceno, é a comprovação desta frase. Da mesma família que o tio Heleno e o primo Bebeto, a mãe levou a filha para as piscinas, mas ela se encontrou mesmo nas quadras.

Ela se tornou uma das melhores e mais completas jogadoras de vôlei brasileiras nos anos de 1960-1970. Defendeu a seleção, com direito a jogar pelas japonesas em um amistoso e estar no grupo que se estranhou com as cubanas, e também vestiu a camisa de clubes em Minas e no Rio.

Voltou para a cidade natal na década de 1980 para trabalhar como professora de Educação Física.  Antes da pandemia, competia em provas de natação master, além de continuar jogando vôlei e tênis, sempre que possível. Vive o esporte plenamente e agradece às lições que aprendeu.

“Com o esporte – qualquer que seja – você aprende a ser humilde na vitória e não ficar desesperado quando perde. Faz muito a personalidade da pessoa, muito mesmo, com certeza”.

Confira as histórias contadas por Helenize na entrevista ao Garotas no Toque, da webradio Nas Ondas do Toque.

A natação

A prática do esporte é algo comum na família. Tanto que servia para quebrar o gelo ao chegar em locais novos.

Helenize de Freitas também disputa provas de natação e tênis na categoria master

“O tio Heleno foi uma referência. Ele até viveu uns tempos aqui em casa, o meu pai o trouxe para morar aqui em São João para ver se melhorava da doença dele, mas não teve jeito. Depois que eu comecei no esporte, todo lugar que eu ia e me apresentava como sobrinha do Heleno, eu era muito bem recebida. O pessoal queria tirar foto, saber das histórias”.

A comprovação de que o esporte faz parte do DNA está na maior incentivadora: a mãe, Celeste, que levou as filhas para a natação. O porém: não era a piscina que acelerava o coração apaixonado por esporte de Helenize.

“Eu achava natação um esporte meio solitário, que você brigava com o relógio. E eu preferia algo mais social, eu achei que teria mais chance no voleibol que na natação”.

A ruptura veio após um conflito justamente com a maior incentivadora. “Eu não gostava muito de água fria. Sábado era dia de tirar tempo, estava muito frio e minha mãe falou que tinha que ir. E eu falei que não ia e ela ‘vaaaaai!’. Fiquei com tanta raiva da minha mãe que fiz meu melhor tempo. Depois nunca mais consegui fazer”.

Atualmente, a natação faz parte da vida de Helenize, desta vez, por livre e espontânea vontade. “Agora no verão, eu vou nadar. Agora vou nadar, pela minha saúde. Não é para competir, não”.

Inclusive, ela viajou ao lado de irmã Herilene para campeonatos master – e, obviamente, voltou com medalhas para casa.

“A minha irmã Herilene começou a nadar mesmo depois que aposentou. Começou a nadar master. E ela é campeoníssima. Ela bate recorde, ela é top 10 da Federação Internacional de Natação (Fina). Eu já viajei com ela por esse mundo de meu Deus, fui com ela para Argentina, ganhei medalha lá”, contou.

O vôlei

Helenize de Freitas afirma que a impulsão era um dos diferenciais como jogadora
Foto: arquivo pessoal

   Nas quadras do Mangueira, clube de São João Nepomuceno, começou a aprender o esporte onde veio a se destacar. Helenize comentou sobre a capacidade de se adaptar à função em quadra.

“Eu jogava em todas [as posições], eu atacava todas as bolas, passava bem, sacava. Na minha época, não tinha essa coisa de posição fixa. Então, quando estava na rede, era de meio que eu jogava. E jogo de meio é meio sacrificante porque você tem que bloquear as três posições, mas eu gostava”.

Nos anos de 1960, o jogo era em cinco sets, com contagem até 15, com dois de vantagem. Não tinha tie-break. Helenize revelou o que considerava ser seu diferencial – e a forma inusitada como desenvolveu a habilidade.

“Eu saltava muito, porque eu era muito moleca, vivia subindo em árvore, era muito levada. Esse diferencial eu tinha: saltava muito, e parava no ar para bater a bola”.

Além disso, ela queria se aperfeiçoar nos mínimos detalhes. Depois de uma partida, prometeu aprender a bater na bola também com a esquerda.

“Fui pra São João, voltei para meu clube e fiquei horas batendo bola na parede só com a canhota, ficava horas batendo na parede. Às vezes, eu saltava, o bloqueio fechava para um lado e eu batia para o outro. Eu sempre fui perfeccionista no voleibol. Sempre queria melhorar em tudo. Até tinha o lance de eu ficar olhando a mão das japonesas, observava como elas saltavam, para poder melhorar, essas coisas que passavam na minha cabeça”, narrou.

 Helenize de Freitas na quadra das japonesas

   Nos anos de 1960, as japonesas eram as melhores do mundo. De acordo com Helenize, foram as inventoras do voleibol moderno. “Quando a gente jogava com elas, era 15-0, 15-1 e 15-0, não tinha conversa”.

Helenize de Freitas jogou vôlei entre os anos de 1960 e 1980 Foto: arquivo pessoal

Uma vez, em um amistoso no Minas Tênis Clube, em Belo Horizonte, um convite: entrar no time das adversárias no set extra jogado para agradar à torcida, que rendeu a manchete “Helenize joga para Minas como o Rei Pelé jogou para o Rei da Suécia”.

“Eu joguei uma vez no time das japonesas, porque uma estava machucada. E elas faziam um set para brindar a torcida, porque o jogo era tão rápido, que não dava nem gosto de ver. Aí eu entrei para jogar, eu estava de camisa vermelha e elas de camisa verde. Estava quietinha no meu canto e elas me dando bola sem parar, sem parar. Aí fiz o gesto de colocar a língua para fora, ‘tô morrendo de cansada’. Foi uma sensação ótima jogar no time das japonesas”, disse.

   O professor José Antônio Bara Miguel enviou a pergunta sobre se era verdade que Helenize foi jogar no Japão a convite dos treinadores do país. “Eu fui convidada, mas eu ainda era muito bobinha. Eu vi aqueles técnicos japoneses bravos demais da conta. Recusei o convite, não fui não. Como eu me arrependo hoje! Mas eu tinha um medo danado dos japoneses, não fui não”.

E ela contou que também recusou outro convite para jogar no exterior. “Eu também fui convidada para jogar nos Estados Unidos porque o Bebeto estava lá, mas não fui. É mineirice mesmo sabe. Mineira mesmo. Boba. Hoje, eu me virava, mas iria!”, afirmou

SJN x JF x MG x RJ – Helenize coloca o pé na estrada

Helenize de Freitas morou um tempo em Juiz de Fora, onde cursou a faculdade de Letras. Foi durante um Campeonato Mineiro disputado na cidade que veio a primeira convocação para a seleção mineira. Vestindo a camisa do Mangueira, ela foi uma das duas convocadas que eram do interior.

Juiz de Fora também marcou uma mudança de planos. Trancou a faculdade de Letras. Passou um ano treinando no Olímpico, com o Pedro Edson Bara, antes de fazer o que realmente queria: Educação Física E teve que enfrentar o pai, Heraldo, que não gostou da ideia de ver a filha voar para longe de casa.

“Meu pai era ‘mineirão’, daqueles brabos e não queria deixar eu ir, não. Mas eu bati o pé ‘eu vou’. Fiz o vestibular para Educação Física e passei para Belo Horizonte e para o Rio e ele: “para o Rio você não vai, não! Vai pra Minas Gerais, vai pra BH”. Eu fiz Educação Física em Belo Horizonte, fui para o Minas e depois para o Mackenzie”

Depois que concluiu o curso na UFMG, com direito a uma reprovação no meio do curso, por conta dos compromissos com a seleção e com o clube. “Então era difícil, a gente tinha que fazer

Helenize de Freitas começou em São João Nepomuceno
Foto: arquivo pessoal

muitos sacrifícios para poder ir e depois recuperar. A gente não tinha tantos jogos como a gente tem hoje em dia. Hoje em dia, não sei como elas arrumam. Elas têm que dar um jeito de ou ficar rica ou estudar e jogar voleibol”.

 

Depois que terminou a universidade, já mais adulta, o pai não se opôs e Helenize foi para o Rio de Janeiro, onde vestiu as camisas do Fluminense e do Tijuca. As lembranças mais especiais vieram da ligação com a terra natal.

“Tinha muito sanjoanense no Rio e a gente tinha uma rede na praia. O apelido da cidade é Nepopó, então criamos o Nepopó Praia Clube. Então a gente encontrava todo final de semana, a gente ia para a praia jogar. Foi muito bom meu período no Rio. Gostei muito”.

¡Cucarachas!: a treta do ventilador

Recorte de jornal fala sobre Helenize de Freitas
Foto: arquivo pessoal

Quem pensa que a rivalidade entre Brasil e Cuba no vôlei feminino começou nos anos de 1990, fique sabendo que, na verdade, as equipes formadas por garotas de sangue quente já não iam uma com a cara da outra pelo menos desde a década de 1970.

Helenize estava lá e falou que as origens do “confronto” estão no deboche das cubanas para tirar as brasileiras do sério.

“Isso começou num Pan-americano, porque elas pisavam no chão e falavam ¡Cucarachas! ¡Cucarachas! A gente era umas baratas, né? Então, me dava muita raiva. Aí, depois do jogo, elas vinham pedir desculpas. A rivalidade é antiga, elas rolavam bola para a gente pisar e cair, para torcer o pé, xingava a gente debaixo da rede. Você não tem ideia do que elas eram antipáticas e chatas”, revelou.

Helenize de Freitas com outras jogadoras da seleção brasileira

Em 1973, a Universíada de Moscou foi o cenário de outro capítulo da rivalidade. E um ventilador foi o estopim da crise.

“Nós nos sentamos numa mesa para almoçar ou jantar, não sei, e tinha um ventilador. Nós viramos o ventilador para outra mesa que estava vazia. E elas vieram e se sentaram lá. Aí ficou aquela coisa, vira ventilador pra lá e pra cá, eu vou bater naquela lá, vou pegar aquela lá. Aí uma das nossas puxou [a tomada] do ventilador, porque ia virar uma briga, e uma briga feia”, disse.

Dentro de quadra, o Brasil estava vencendo por 2 a 1 e Cuba ganhou a torcida dos donos da casa, que foram para a quadra ver o quarto set.

“Aí eu falei para as meninas que se tivesse o quinto set, se empatar 2 a 2, essa turma aí vai torcer toda para Cuba, porque eles são comunistas. Foi uma gritaria danada e ganhamos 3 a 1”.

Imagina se houvesse incentivo…

Com a Seleção Brasileira, Helenize ganhou a prata no Campeonato Sul-Americano de 1967 no Brasil e o ouro no Sul-Americano em 1969, quando foi escolhida a melhor jogadora.

Também com a seleção disputou o Campeonato Mundial de 1970 e três edições dos Jogos Pan-Americanos 1967, 1971 e 1975.

Além disso, tem duas medalhas de bronze em edições da Universíada de Verão, em 1970 e em 1973. Ela considera que a falta de investimento no voleibol não facilitou a vida das jogadoras neste período.

“Nós poderíamos ter alcançado melhores resultados se tivéssemos, como as meninas de hoje tem, mais apoio, incentivo, entendeu? A gente treinava 20 dias para ir para um Pan-americano, um Mundial. Vinha uma de Pernambuco, outra do Rio Grande do Sul, três de Minas, três do Rio, três de São Paulo. O nosso intercâmbio era muito fraco e uma das razões também que a gente não poderia produzir mais que a gente produzia. Ficava bem difícil a gente ter resultados melhores”, analisou.

  Ao falar do vôlei atualmente, não surpreende saber que ninguém tirou Helenize da frente da televisão nas Olimpíadas e que ela gritou bastante na torcida pelas seleções brasileiras em Tóquio. E ela confessa que adoraria ter feito enquanto estava nas quadras.

Helenize de Freitas
foto: arquivo pessoal

“Eu acho que o masculino devia subir um pouco a rede. Não dá muito rally, porque eles estão fortes demais da conta! O feminino é mais interessante de ver, porque dá muito rally. as meninas atacando de trás. Eu acho legal, se tivesse visto isso quando eu jogava, pode ter certeza de que eu iria atacar dos 3 metros”.

Sonhos

   Com tantas histórias, faltou uma aventura na vida de Helenize – e porque não havia a oportunidade para as mulheres.

“Vou escrever um livro ‘A mulher que sonhou com as olimpíadas’, como o do tio Heleno, “o homem que sonhou com a copa” (risos) Eu sonhava com as Olimpíadas, mas, na minha época, o feminino não participava. O masculino começou a participar primeiro. E, a essa altura, eu já tinha parado de jogar e já tinha voltado aqui para São João Nepomuceno’.

   O retorno para a cidade natal – e o fim da carreira como jogadora – foi após perceber que não teria mais chances de vestir a camisa da equipe nacional.

Helenize de Freitas participa de competições na categoria master

“Vim embora para São João Nepomuceno, porque eu briguei com o Nuzman. E ele não ia mais me convocar para Seleção Brasileira. O que eu vou ficar fazendo no Rio? Jogando pela seleção carioca? Então eu vim embora”, disse.

Em casa, focou no trabalho como Educação Física. “Eu achava bom dar aula de Educação Física para crianças. Dava também aula na academia de ginástica e nos clubes para as moças e senhoras que queriam fazer ginástica. E fui levando a minha vidinha do jeito que dava”.

E para matar a saudade do voleibol, ela continuou jogando na equipe master com o Mackenzie e esteve em Saquarema. Outra experiência foi participar de uma transmissão com Mário Helênio e Cláudio Temponi.

  “Ele era um amor, o Mário Helênio. Ele tinha um carinho especial com a gente daqui de São João, ia no hotel. Ele era uma excelente pessoa, gostava muito dele, muito atencioso. Gente muito boa mesmo, fiquei muito sentida quando soube que ele tinha falecido”, disse.

Após compartilhar as recordações mais queridas, divertidas ou nem tanto, de uma carreira marcada pelo pioneirismo e pelo perfeccionismo, Helenize deixa o seguinte recado para quem sonha em também seguir no caminho do esporte.

“Vale sempre a pena a gente lutar pelo que quer, pelos sonhos nossos. Toda garota todo garoto deve lutar pelo que quer. Assim como eu lutei muito, a vida não foi fácil pra mim. Não foi tudo maravilhoso, não. Tem que sacrificar muitas coisas. Hoje em dia, as minhas lembranças da minha vida esportiva só me trazem alegria. Por isso que eu acho que não deve desistir, uma vez, duas vezes, três vezes, mil vezes, para depois não se arrepender de não ter tentado”.

 

Texto: Toque de Bola – Roberta Oliveira
Fotos: Helenize de Freitas/arquivo pessoal

Deixe seu comentário