Expira. Inspira. Respira.

  Quantas vezes vocês respiraram fundo neste ano para não perder a paciência ou reencontrar o foco? Posso garantir que perdi a conta.

Nos últimos dois meses, recorri ao controle da respiração para tentar não me deixar afetar pelos comentários absolutamente desnecessários que algumas criaturas ainda pensam ser relevante fazer.

Especialmente no esporte, uma área onde alguns tipos de pensamento já deveriam ter sido superados.

Vou compartilhar com vocês alguns deles. Considerem parte da sessão desabafo. Ou até mesmo, um pouco de terapia.

Misoginia por causa do cabelo curto

Este é um tema bem comum na minha vida, porque eu mantenho meu cabelo curto há anos. Sei diferenciar o comentário educado do grosseiro, afinal de contas, já ouvi ambos. Entre os desnecessários,  pode incluir os questionamentos à minha feminilidade e o conselho atencioso de que “com esse cabelo não iria conseguir um homem que gostasse de mim”.

Sim, esse povo nunca viu Shirley MacLane ou Audrey Hepburn com as madeixas tosadas e sendo absolutamente lindas, cada qual à sua maneira.

Por isso, fiquei irritada quando li que um grupo de homens coreanos queriam que a Associação Coreana de Tiro com Arco retirasse as medalhas da arqueira An San, de 20 anos. A jovem foi a primeira a ganhar três ouros numa Olimpíada, em Tóquio, mas foi atacada nas redes por ter “cabelo curto feminista”.

Outras atletas sul-coreanas que também optaram pelo corte mais curto também foram alvo abusos e xingamentos de homens durante as Olimpíadas.

Expira.

Black Power do Celsinho

O meia Celsinho sofreu racismo 3 vezes na série B 2021.
Imagem: Sportv/reprodução

A falta do que fazer é tão grande na vida de algumas pessoas, que elas elegeram como passatempo criticar o cabelo de um jogador de futebol, o meia Celsinho, do Londrina.

Foram três agressões de cunho racista em dois meses, entre julho e agosto deste ano: há uma matéria no Toque de Bola sobre o assunto.

Para piorar, três envolvidos são narradores e comentaristas – que, em tese, que deveriam ter noção do peso das palavras que proferem.

Aí veio o dirigente do Brusque, que pensou que poderia dizer o que bem entendesse por estar no camarote, falou em alto e bom som. Foi parar na súmula, no desabafo público e ao vivo do jogador após a partida, no inquérito policial. E quando ninguém tinha digerido a situação, o Brusque soltou a mais insensível e incompetente nota oficial possível neste caso.

A conta veio nesta semana. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) julgou o caso e puniu o clube com multa e a perda de 3 pontos na Série B, além de multa e a suspensão do dirigente agressor por quase um ano.

Confesso que me surpreendi. Não esperava, afinal de contas, estamos no país onde muita coisa acaba impune. Agora é torcer pra que diante da resposta do STJD, Celsinho e outros jogadores negros consigam terminar o ano sem ouvir nenhuma agressão de mais ninguém.

Sim, pouco provável, mas me deixem sonhar enquanto respiro fundo e passo para o próximo bloco.

Exclusão e preconceito

Coletiva Gabriel e Fabinho no Clube Bom Pastor
Foto: Roberta Oliveira/Toque de Bola

Entre agosto e setembro vivemos as emoções das Paralimpíadas. Acompanhamos mais de perto a atuação incrível de Gabriel Araújo nas piscinas em Tóquio.

Enquanto isso, no Brasil, uma autoridade que devia ser exemplo, dizia que as crianças com deficiência deveriam estudar em escolas exclusivas porque atrapalhavam o andamento da turma.

Exatamente, voltar uns 30 anos no avanço conseguido com muita luta pela inclusão.

Como comentei em algumas participações na webradio Nas Ondas do Toque, se eu cair numa piscina, vou afogar. E isso não é conjectura, já aconteceu duas vezes. Gabriel e os outros atletas paralímpicos brasileiros ou não nadam o que eu nunca vou nadar na vida.

Ter crianças e adolescentes com diferentes características na mesma sala de aula ensinam a todos o respeito à diversidade de potencialidades que existe. Básico, né? Simples, né? Óbvio, né? Então, por que ainda tem gente que não entende?

Inspira.

Racismo e assédio

A Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) afastou dois árbitros que eram mesários no jogo entre Araraquara e Centro Olímpico do Campeonato Brasileiro Júnior Feminino, no dia 17 de setembro.

Eles foram flagrados dizendo uma série de ofensas racistas contra um dos treinadores e comentários grosseiros sobre a forma física de algumas jogadoras. Isso só foi possível porque houve uma transmissão ao vivo no instagram de uma ex-jogadora, assessora esportiva da confederação, de acordo com a matéria de Demétrio Vecchioli, do UOL.

Imagina se não tivesse a transmissão pelas redes sociais.

Imagina quantos outros comentários desagradáveis iguais ou piores foram feitos e passaram batidos.

E aproveitando, vou colocar nesse balaio o caso do presidente afastado da CBF. Haja estômago para ouvir o relato da funcionária assediada. A assembleia geral sobre o caso está prevista para dia 29. Queria uma punição mais efetiva e duradoura, mas não sei se ela virá.

Expira. Inspira.

Costurando todos os casos

Em comum, todos estes casos têm como base um suposto padrão de perfeição, um sistema que confere a determinado grupo um suposto poder sobre os outros. Há quem se sinta protegido e saia julgando cabelos, raça, sexo, gênero, crendo ter direito de dispor da vida alheia como bem lhe aprouver.

Para depois aparecerem com aquela frase que também é um clichê: “peço desculpas a quem se sentiu ofendido”. Na prática, não quer se desculpar por nada do que disse.

Estamos no ano da graça de 2021. Já era para termos entendido o que São Paulo escreveu em uma das cartas aos Hebreus: “Mas de vós, ó amados, esperamos coisas melhores”.

Este tipo de gente me faz pensar que muitos fracassaram magistralmente em ser humanos. E não adianta usar o verniz de educação, religião, posição social ou outro pseudo diferencial de moralidade e bondade.

Por isso, faço um apelo a você que, por alguma razão, estiver lendo este texto. Não seja como estas pessoas nem sobre esporte ou em qualquer outro setor da vida.

Mire nos bons exemplos. Seja melhor.

O mundo precisa de pessoas melhores em todas as áreas para poder respirar fundo e em paz.

Ivan Elias

Ivan Elias, associado do Panathlon Club de Juiz de Fora, é jornalista, formado em Comunicação Social pela UFJF. Trabalhou por mais de 11 anos no Sistema Solar de Comunicação (Rádio Solar e jornal Tribuna de Minas), em Juiz de Fora. Participou de centenas de transmissões esportivas ao vivo (futebol, vôlei, etc). Apresentou diversos programas de esporte e de humor, incluindo a criação de personagens. Já foi freelancer da Folha de S. Paulo, atuou como produtor de matérias de TV e em 2007 e 2008 “defendeu” o Tupi, na Bancada Democrática do Alterosa Esporte, da TV Alterosa (SBT-Minas). Criou, em 2010, ao lado de Mônica Valentim, o então blog Toque de Bola que hoje é Portal, aplicativo, Spotify, Canal no Youtube e está no Twitter, Instagram e Facebook, formando a maior vitrine de exposição do esporte local É filiado à Associação Mineira de Cronistas Esportivos (AMCE) e Associação Brasileira de Cronistas Esportivos (Abrace).

Este post tem 2 comentários

  1. Silvana Barbosa

    Texto sem defeitos. Você foi ótima em cada uma de suas colocações.

  2. Suelen Mattos

    Esse texto é maravilhoso de tantas formas! Já passei por diversas situações assim, pela minha cor, pelo meu peso, pelo meu cabelo, pela minha religião…. Sinceramente não entendo a necessidade que certas pessoas têm de menosprezar as outras, por qq motivo que seja.
    Parabéns pelo texto!

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