Exclusivo: por que o Brasil não avançou? O que a Copa ensinou? Fala, Welington Fajardo

O Toque de Bola decidiu aprofundar um pouco mais as questões cruciais no jogo que determinou a eliminação do Brasil na Copa do Mundo – empate em 1 a 1 diante da Croácia, com Neymar marcando um golaço no final do primeiro tempo da prorrogação e a Croácia empatando a quatro minutos do fim do segundo tempo da prorrogação, num contra-ataque, com Petkovic. Nos pênaltis, a Croácia venceu por 4 a 2 (as semifinais da Copa serão: dia 13, 16h, Argentina x Croácia e dia 14, 16h, França x Marrocos).

Logo depois do jogo, torcedores questionaram muito. Como sofrer um gol de contra-ataque faltando tão pouco tempo? O que faltou para a seleção brasileira vencer?

O Toque de Bola decidiu aprofundar esta análise e consultou professores, doutores e estudiosos do futebol, para saber:

Qual novidade ou tendência importante no conceito tático das equipes nesta Copa do Mundo?

O que chamou mais a atenção na parte tática na Copa (até aqui)?

E, naturalmente, pedimos uma leitura diferente destes estudiosos sobre o desempenho da seleção brasileira e, especificamente, o lance do gol de empate da Croácia, que o torcedor brasileiro ainda custa a acreditar que a equipe tenha sofrido naquelas circunstâncias.

Welington Fajardo, que marcou seu nome como goleiro do Cruzeiro e do América Mineiro e é um dos treinadores mais respeitados pela torcida do Tupi (entre outras passagens, foi campeão da Taça Minas pelo Carijó), conversou conosco e abordou situações bem interessantes. O atual treinador do Nacional, da Amazônia, viu crescimento muito grande das “seleções médias” e não das consideradas seleções de primeiro nível.

E é também como um profundo conhecedor das funções de um camisa 1 dentro de campo (defendeu América Mineiro e  Cruzeiro por muitos anos) que ele analisou o fatídico contra-ataque que resultou no gol da Croácia: “O goleiro tem que ser um líder, tem que falar, tem que mandar…  é muito responsável pelo setor defensivo, o goleiro não pode pedir, ele tem que mandar. A primeira coisa que deveria ser feita ali é chegar nos dois volantes, o que a gente fala na gíria do futebol “finca uma estaca na frente da linha de quatro zagueiros, laterais, não saiam mais”. E completa: “O treinador não tem o controle total do jogo, ele passa pelos pés e mãos dos atletas”.

 

 

Ao analisar gol de empate da Croácia, Welington Fajardo enfatiza o papel de liderança que o goleiro deve ter dentro de campo

Acompanhe a íntegra do papo com Welington Fajardo 

 AVALIAÇÃO DA COPA DO MUNDO

  Crescimento das  seleções médias

A primeira coisa que eu notei nessa Copa do Mundo é uma evolução muito maior dentro do aspecto técnico e tático das seleções médias e nem tanto nas seleções de primeiro nível, que é o caso de Brasil, França, Alemanha, Inglaterra, equipes que já ganharam título mundial. Achei que houve evolução muito maior das equipes médias em função das informações, tipos de treinamento, hoje a tecnologia está disponível para todo mundo e tem muitos jogadores dessas equipes médias que jogam nas grandes ligas, seleções asiáticas. Seleções como a gente viu, o Japão, Marrocos.

 Mais tempo de acréscimos e o peso do aspecto físico

Houve esse crescimento muito grande das seleções médias. Outra coisa: com a quantidade de acréscimos o jogo está sendo muito maior do que em outras Copas do Mundo. O aspecto físico é um fator que desde o início tenho falado vai definir a Copa do Mundo porque no primeiro tempo todo mundo joga, é muito difícil jogar o segundo tempo, principalmente quando estão faltando 15, 20 minutos, em que o aspecto físico é decisivo. Agora no mata-mata, ainda tem prorrogação. O aspecto físico é preponderante dentro dessa Copa. Times melhores fisicamente provavelmente devem chegar.

França favorita

Das quatro seleções que chegaram para a semifinal, desde o início vejo a França muito forte. Além de ter um treinador que já foi campeão da Copa do Mundo e também uma base mesmo perdendo vários jogadores de qualidade, manteve uma base muito forte, um time muito rápido. Tem um jogador que para mim é o melhor da Copa do Mundo, o Mbbapé, está fazendo a diferença. Eu mais uma vez coloco a França como favorita, como coloquei também na Copa anterior. Acho que a França é um time muito veloz, que junta velocidade com a parte técnica, criativa. A Croácia é um time muito estruturado, aquele time que vai jogar contra e você sabe que é enjoado, marca bem, sabe o momento de temporizar o jogo, time que sabe o momento de atacar. A Argentina para mim é uma surpresa, não achava que a Argentina fosse chegar até onde chegou, mas tem a força do Messi, é diferenciado, e Marrocos é uma surpresa geral, com uma defesa muito forte, um goleiro muito bom, tem sido crucial para sua campanha.

Poucas mudanças no aspecto tático

Dentro do aspecto tático da plataforma de jogo, vejo que as mudanças são muito poucas. A plataforma normalmente é um 4-2-3-1, um 4-3-3, algumas equipes como a Holanda jogam no 3-4-3 e na maioria das vezes na hora de se defender eles fazem um 5-4-1, uma linha de cinco, quatro no meio de campo e um na frente. Vejo que se as equipes não tiverem uma transição ofensiva muito rápida dificilmente vão ter espaço para chegar ao gol adversário. Outra coisa que me chamou atenção é o aspecto de como as equipes voltam muito rápido, preenchem muito rápido o setor defensivo, Fica até parecido com um jogo de basquete, onde é mais fácil porque a quadra é maior, mais curta, diferente do campo de futebol, mas as equipes de basquete conseguem rapidamente preencher ali o garrafão, bloquear aqueles jogadores para evitar um cesta. Sempre achei o futebol muito parecido, dentro do aspecto tático, com o basquete e cada vez mais isso vem acontecendo, devido à qualidade física dos atletas.

Posse de bola com sustentação

Outra coisa na Copa do Mundo é que a maioria dos times tomam gol quando estão com a posse de bola, talvez seja até por isso. Primeiro há o erro, depois há um espaço, para a equipe que retomou essa bola. Hoje a posse de bola com sustentação é muito importante porque o time que tem a posse de bola se perde e aí dá chance, dependendo do setpor de campo em que perdeu, do adversário chegar rápido ao gol.

O GOL DE EMPATE DA CROÁCIA 

“Prints” do contra-ataque da Croácia

Goleiro tem que ser líder

Foram vários aspectos. Sou de uma época em que o goleiro tem que ser um líder, tem que falar, tem que mandar porque ele é a última barreira, o tempo todo ele tem que se proteger. Vejo que o goleiro é muito responsável pelo setor defensivo, o goleiro não pode pedir, ele tem que mandar. A primeira coisa que deveria ser feita ali é chegar nos dois volantes, o que a gente fala na gíria do futebol: finca uma estaca na frente da linha de quatro zagueiros, laterais, não saiam mais, fica aí, só trabalha na fase defensiva, isso é o comando do goleiro. Como eu digo, o goleiro tem que se proteger porque ele é a última barreira. Não vi em momento nenhum essa obediência, que o nosso goleiro mandou os dois volantes ficarem na frente da zaga, porque no mínimo nós teríamos seis jogadores sempre defendendo. O que aconteceu no gol da Croácia foi falta numérica de jogador ou a mesma igualidade numérica os mesmos jogadores, a mesma quantidade de jogadores e isso não pode, é básico no futebol para quem defende tem que ter sempre um ou dois na sobra.

Lateral mal cobrado…

Primeiro foi isso, de ter dois volantes, inclusive o Fred entrou para proteger a zaga. Repito: finca uma estaca de que não vão sair os dois da frente da zaga. Era a hora de dar a bola para a Croácia, recompor o tempo todo, 10 caras atrás da linha da bola, não tem que atacar mais, é uma cara lá na frente e dar a bola. Outra coisa que eu vi é o lateral, a bola começa com o lateral, o Danilo, esse lateral é jogado de fora para dentro para o Pedro. Se você tem um lateral naquele momento, você tem que bater o lateral na linha paralela ao lateral para que essa bola não entre em jogo. Quando você bate um lateral na linha lateral, a tendência é que você tenha um outro lateral, então, ele jogou o lateral para o meio, o Pedro tentou um passe para o Fred e errou, olha só, o Fred na hora do gol estava na frente do Pedro sendo que a função ele era estar dando proteção à zaga, erro absurdo.

Casemiro ficou com medo de fazer a falta tática

Existe no futebol a questão da falta tática. Nós temos 26 jogadores qualificados, não importa se por acaso o Casemiro ficou preocupado em não jogar o próximo jogo, eu vejo assim: faz a falta tática, é expulso, mas o jogador hoje em dia é muito individualista, ele pensa primeiro nele e depois no grupo. Então o Casemiro ficou com medo de fazer a falta tática e ser expulso. Se faz a falta no Modric, que fez o passe para o gol, estava resolvida a situação. Casemiro expulso, e não era uma falta tática que você teria que correr atrás do atleta para você fazer a falta, eles estavam na mesma jogada, era só fazer a falta tática, encerrava o assunto e nós estaríamos com dez caras atrás da linha da bola. A partir dali, ficou a primeira linha de quatro toda ela alterada, mal armada e acabou saindo o gol da Croácia. Foi uma série de erros. Falo muito isso. Tive até oportunidade de falar muito agora no curso de Licença A treinadores, o treinador não tem o poder total do jogo, ele passa pelos pés e mãos dos atletas.

Não é só jogar bola, tem que pensar. Gol inadmissível! 

Por mais que você peça, o atleta tem quase 10 mil tomadas de decisão durante os 90 minutos, então ele tem que estar preparado para tomar as decisões corretas. Pensar em jogar, sempre coloco isso na minha preleção. Pensar em jogar, em que momento do jogo eu estou, quanto está o jogo, se eu estou com a mesma quantidade de jogadores  no campo, se não tem nenhum jogador sendo atendido, quantos minutos faltam para terminar o jogo, esse resultado me interessa?, não é só jogar bola, ele tem que transpirar, tem que pensar. Naquele momento o Brasil pensou só em jogar bola e infelizmente não pensou. Principalmente na parte tática, ali era o momento de dar uma atenção muito maior à fase defensiva, faltando três minutos, é inadmissível tomar um gol daquele com muitos jogadores experientes. O jogo passa pelos pés dos atletas, que não tiveram naquele momento a experiência e a liderança de alguém que pudesse resolver porque normalmente a liderança vem de trás, do goleiro, do zagueiro. Acabou tomando um gol que não era para ter tomado, faltou ali uma voz de comando forte, de não pedir e sim de mandar e essa série de erros resultou no gol da Croácia.

Welington Fajardo é formado em Educação Física na Universidade Salgado de Oliveira e tem o curso licença A da CBF Academy.

 

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Texto: Ivan Elias

Foto: João Normando

Print do lance: reprodução internet

Ivan Elias

Ivan Elias, associado do Panathlon Club de Juiz de Fora, é jornalista, formado em Comunicação Social pela UFJF. Trabalhou por mais de 11 anos no Sistema Solar de Comunicação (Rádio Solar e jornal Tribuna de Minas), em Juiz de Fora. Participou de centenas de transmissões esportivas ao vivo (futebol, vôlei, etc). Apresentou diversos programas de esporte e de humor, incluindo a criação de personagens. Já foi freelancer da Folha de S. Paulo, atuou como produtor de matérias de TV e em 2007 e 2008 “defendeu” o Tupi, na Bancada Democrática do Alterosa Esporte, da TV Alterosa (SBT-Minas). Criou, em 2010, ao lado de Mônica Valentim, o então blog Toque de Bola que hoje é Portal, aplicativo, Spotify, Canal no Youtube e está no Twitter, Instagram e Facebook, formando a maior vitrine de exposição do esporte local É filiado à Associação Mineira de Cronistas Esportivos (AMCE) e Associação Brasileira de Cronistas Esportivos (Abrace).

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