O Toque de Bola decidiu aprofundar um pouco mais as questões cruciais no jogo que determinou a eliminação do Brasil na Copa do Mundo – empate em 1 a 1 diante da Croácia, com Neymar marcando um golaço no final do primeiro tempo da prorrogação e a Croácia empatando a quatro minutos do fim do segundo tempo da prorrogação, num contra-ataque, com Petkovic. Nos pênaltis, a Croácia venceu por 4 a 2.
Logo depois do jogo, torcedores questionaram muito. Como sofrer um gol de contra-ataque faltando tão pouco tempo? O que faltou para a seleção brasileira vencer?
O Toque de Bola decidiu aprofundar esta análise e consultou professores, doutores e estudiosos do futebol, para saber:
Qual novidade ou tendência importante no conceito tático das equipes nesta Copa do Mundo?
O que chamou mais a atenção na parte tática na Copa (até aqui)?
E, naturalmente, pedimos uma leitura diferente destes estudiosos sobre o desempenho da seleção brasileira e, especificamente, o lance do gol de empate da Croácia, que o torcedor brasileiro ainda custa a acreditar que a equipe tenha sofrido naquelas circunstâncias.
O professor Marcelo Matta faz uma análise exclusiva para o Toque de Bola sobre a Copa do Mundo e a seleção brasileira.
“Todos podem criticar porque somos todos treinadores de obra pronta, de jogo já jogado”, adverte, ressaltando que o treinador Tite “respeitou o processo”. Ele cita a exigência – ainda maior – de velocidade na tomada de decisão do jogador em campo, comenta o lance do gol de empate e cita estatística importante em cobranças de pênaltis.
Acompanhe a íntegra da avaliação de Marcelo Matta a seguir
O QUE A COPA DO MUNDO APONTA, NO CONCEITO TÁTICO
“Jogadores estão sendo mais exigidos para realizar ação da tática individual mais rápida”
“A evolução do futebol aí nessas mudanças ocorreu em função da realidade do jogador, com a capacidade do jogador de fazerem coisas, que interferiram no jogo. Um atacante, um jogador muito bom no meio de campo que conseguia chegar muito bem no ataque, aí tiveram que recuar um zagueiro. E a realidade do jogo, das regras do jogo, quando você muda a história do futebol, a regra do impedimento, isso interfere na realidade do jogo também, lógico, interferindo na formação do jogador. Essa relação do jogo e jogador para mim anda junto. Nessa Copa do Mundo, o que eu percebi foi a exigência na realidade do jogador. Por que? As equipes muito compactadas, as linhas muito próximas, criando um bloco defensivo com muita dificuldade de serem rompidos. Alguns jogadores já estão sendo mais exigidos na relação de realizar a ação da tática individual mais rápida. O que é isso? Desde o momento da percepção da situação, da leitura do jogo, ele elencar as possibilidades de solução para aquela situação. Escolher a melhor decisão para depois estimular o sistema motor para realizar aquele gesto motor, isso tem que ser muito rápido. Desde a leitura do jogo até a execução do gesto para aquela situação, ela tem que ser muito rápida”.
“O processo de formação de jogador de futebol vai ter que ser alterado”
“Existem registros na literatura que anos atrás esse processo era 0.2 segundos e passou agora para 0.16 segundos e acredita-se que vai se exigir mais velocidade dos jogadores. Isso foi inclusive tema na palestra inicial do Simpósio Internacional de Futebol, que tinha uma pessoa ligada a FIFA, e ele relatou que essa é maior preocupação da FIFA com a formação dos novos jogadores. Os jogadores têm que ser mais rápidos nessa cognição, desde a percepção da situação até a execução do gesto motor. Nessa Copa, no meu entendimento, vimos que essa exigência vai ser maior, em função da diminuição do tempo e do espaço. O jogador tem pouco espaço para trabalhar e muito pouco tempo porque o adversário vai estar em cima dele, com pouco tempo para ele pensar em uma jogada, ele tem que se adaptar a essa nova realidade, consequentemente o processo de formação de jogador de futebol vai ter que ser alterado. Os jogadores vão ter que ser mais exigidos na prática da cognição. Para mim, é o que a Copa mais apresentou.
SELEÇÃO BRASILEIRA
Tite respeitou o passo a passo, respeitou o processo. Eu não critico
Nesse sentido da avaliação específica da seleção, entendo que o Tite procurou ser eficiente. Respeitou o passo a passo, respeitou o processo. Para você ser eficaz, alcançar o resultado, é mais fácil você tentando ser eficiente e eu acho que o Tite tentou ser eficiente. No entanto, você pode ser eficiente e não alcançar o resultado. Eu acho que o Tite respeitou os processos, eu não critico o Tite, todos podem criticar porque somos todos treinadores de obra pronta, de jogo já jogado. O Brasil empatou com a Croácia.
Questões: a saída de Militão e Neymar não ter cobrado o pênalti
“Se eu fosse criticar, criticaria talvez a saída do Militão (nota da redação: foi substituído por Fred), que estava muito bem ali na lateral direita (a gente não sabe se ele estava bem ou se pediu para sair) e talvez o pênalti. Estatisticamente se sabe que quem bate o primeiro pênalti tende a ganhar, ou seja, se você pegar todas as disputas de pênaltis na história do futebol você vai ver que 70 por cento a equipe que bate o primeiro ganha. Não quer dizer que vai ganhar, mas, a probabilidade de ganhar é alta. Quando você é o segundo, logo o primeiro seu já tem que meter pressão para o segundo da equipe adversária. Então o exemplo prático: a Croácia fez o gol e naquela primeira batida, no meu entendimento, tem que ser um belíssimo cobrador para meter pressão no segundo que viesse da Croácia, e assim você vai gerando aquela pressão para o cobrador seguinte. Quando você bate o primeiro e faz o gol, o adversário se perde ali e pronto. É uma crítica muito chata de ser feita, porque se tivesse ganho estaria todo mundo elogiando. Mas eu não critico.
“Tite foi eficiente, mas não foi eficaz”
Acho que o Tite foi eficiente mas não foi eficaz, não alcançou o sucesso. Uma geração boa, com muitos talentos, geração que foi campeã olímpica lá atrás, com bons valores. Outra coisa: nós, brasileiros, precisamos entender que aquilo ali foi só um jogo. Por mais identidade que tenha com o nosso povo, a nossa apresentação, nossa representatividade para o mundo, por ser um país com belos jogadores de futebol, isso nos faz bem mas temos que entender que é só um jogo, é um que vai ganhar. E não foi o Brasil desta vez. E vida que segue. Vamos continuar jogando. Campeonato Mineiro, Campeonato Brasileiro, vamos seguir.
O GOL DA CROÁCIA
“Cansaço, se expuseram demais e o imponderável. É um jogo”
“Especificamente no gol da Croácia, algumas opiniões a respeito. Quando está ganhando não precisa se expor tanto ao ataque mas é uma característica cultural do Brasil: atacar, tentar fazer gol. Outra: o Casemiro poderia ter feito uma falta tática ali e interrompido aquela transição, aquele contra-ataque da Croácia. Segundo, duas questões individuais: cansaço. Tanto o Casemiro quanto o Danilo se entregaram muito no jogo. A crítica que eu faço por ter tirado o Militão. O Danilo foi voltando, esperando que alguém chegasse mais na área, recuando, temporizando o ataque da Croácia na expectativa de alguém chegar, deixou entrar na área, e o cara que o Casemiro deveria acompanhar chegou primeiro do que ele e finalizou. Aí vêm os imponderáveis do jogo. Porque aquilo é um jogo. Bateu na perna do nosso zagueiro Marquinhos e atrapalhou o goleiro. É jogo e agora é fácil todo mundo criticar. Na hora lá, questões de segundo para se tomar uma decisão. Então, no lance em questão, preparo físico e se expor, se expuseram muito”.
Marcelo de Oliveira Matta
Possui graduação em Educaçäo Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1984) e mestrado em Educação Física, área de concentração Treinamento Desportivo, pela Universidade Federal de Minas Gerais (1998). Doutor em Ciência do Desporto (PDCD), da Faculdade do Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), Portugal. É professor titular do Departamento de Desportos da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Juiz de Fora. As principais áreas de intervenção são Futebol e Treinamento Esportivo para crianças e jovens.
É o atual Secretário de Esporte e Lazer da Prefeitura de Juiz de Fora
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Texto: Ivan Elias
Fotos: CBF e Tintim