O Toque de Bola decidiu aprofundar um pouco mais as questões cruciais no jogo que determinou a eliminação do Brasil na Copa do Mundo – empate em 1 a 1 diante da Croácia, com Neymar marcando um golaço no final do primeiro tempo da prorrogação e a Croácia empatando a quatro minutos do fim do segundo tempo da prorrogação, num contra-ataque, com Petkovic. Nos pênaltis, a Croácia venceu por 4 a 2.
Logo depois do jogo, torcedores questionaram muito. Como sofrer um gol de contra-ataque faltando tão pouco tempo? O que faltou para a seleção brasileira vencer?
O Toque de Bola decidiu aprofundar esta análise e consultou professores, doutores e estudiosos do futebol, para saber:
Qual novidade ou tendência importante no conceito tático das equipes nesta Copa do Mundo?
O que chamou mais a atenção na parte tática na Copa (até aqui)?
E, naturalmente, pedimos uma leitura diferente destes estudiosos sobre o desempenho da seleção brasileira e, especificamente, o lance do gol de empate da Croácia, que o torcedor brasileiro ainda custa a acreditar que a equipe tenha sofrido naquelas circunstâncias.
O professor de futebol da Universidade Federal de Juiz de Fora, Felippe Cardoso, abordou aspectos muito interessantes. Confira:
NOVIDADES E TENDÊNCIAS NO CONCEITO TÁTICO NA COPA
Ataques pelas pontas
“Interessante essa questão porque talvez esse seja um momento muito marcante, não só pela eliminação do Brasil, mas também porque a gente começa a observar algumas características que têm dado certo na Copa do Mundo e algumas tendências que a expectativa é que elas venham para ficar, estruturalmente falando, principalmente no que diz respeito à questão tática. A primeira coisa que marca é observar que o futuro está muito associado com os ataques pelas pontas. Se nós observarmos a maioria do número de gols que saiu nesta Copa do Mundo saiu em jogadas que aconteceram pelas pontas e a tendência voltando é o drible, o um contra um, ele ainda hoje ele se tornou o principal fator para rompimento de linhas para que a equipe possa avançar”.
O drible
“Em contra partida defensivamente começamos a observar as equipes cada vez mais compactas, seja organizando duas linhas de quatro, uma linha de cinco e uma linha de quatro. Como também observamos nessa Copa no jogo da Suíça contra o Brasil dificultando principalmente algum rompimento das linhas através de espaços por que aquele jogador que flutua entre as linhas para receber e pra fazer essa quebra ele sempre está muito bem pressionado quando recebe a posse de bola e isso aí obviamente dificulta a progressão da equipe no campo de jogo. A ideia é que essa mudança vai gerar também o impacto dessa parte ofensiva. Então o drible cada vez mais vai ser importante, é só fazer uma análise do jogo contra Croácia: as principais chances do Brasil aconteceram advindas de um drible de jogadores importantes como Neymar, Vinicius Jr, vão para uma situação de um contra um, ultrapassam a linha, ultrapassam a marcação, quebram a linha, a primeira linha defensiva e geram uma situação de uma chance clara de gol por romper esta primeira linha e por encontrar um jogador talentoso que pode resolver uma situação num piscar de olhos”.
Repensar e individualizar o treino
“Outra questão que vale a pena ressaltar na questão dos legados da Copa do Mundo no processo de treinamento é começar a repensar o estruturalmente o treino dentro de uma perspectiva cada vez mais individualizada pra tirar o melhor do atleta, do indivíduo, do jogador. E obviamente esse melhor que a gente retirar dele vai impactar na equipe. É uma perspectiva, uma tendência do futuro e focando também em elementos de grande valia como a tomada de decisão e os elementos cognitivos. Já vimos hoje que ao nível físico, nível técnico e até mesmo ao nível tático, as equipes são muito similares, elas não têm grandes diferenças e talvez você vai ter uma ou outra equipe que vai destoar porque você vai ter um número de jogadores mais habilidosos, um conjunto mais habilidoso. Só que o grande diferencial hoje é a capacidade que os jogadores têm de tomar decisão rápida, correta e, principalmente, as capacidades cognitivas que eles têm para se manterem engajados, concentrados e manter atento e evitar o erro”.
SELEÇÃO BRASILEIRA
Apesar da derrota, bons olhos para a renovação
“A seleção brasileira, creio que não seja só a minha opinião mas opinião de boa parte dos observadores, comentaristas, era a grande favorita para a Copa, obviamente pela quantidade elevada de talentos que a gente tem na nossa equipe. Mas tem uma característica muito interessante: talvez das últimas quatro Copas do Mundo que nós participamos, essa é a geração mais nova. Esse fator teve um peso em um jogo de mata-mata com uma seleção difícil de se jogar, muito experiente, como a Croácia, mas também nos dá boas indicações do futuro. Acho que o trabalho do Tite não deve ser questionado agora, muito pelo contrário, ele deu para essa seleção uma organização, uma cara, principalmente renovar o processo que nós tínhamos e trazer novos potenciais jogadores. Essa renovação infelizmente não colhermos os frutos nesse primeiro momento, mas acredito que continuando a qualificação do processo, em breve teremos bons resultados nas próximas competições e, quem sabe, nas próximas Copas”.
Vence a equipe mais resiliente
“Em torneios como uma Copa do Mundo, que tem essa característica do mata mata, nem sempre a melhor equipe vence, a que vence é aquela que consegue manter por mais tempo o plano de jogo e obviamente a equipe que ela consegue ser mais resiliente no processo. Nós observamos o caso da Croácia onde o Brasil foi superior o jogo todo e infelizmente no final, em um dos últimos lances, tomou o gol e foi para os pênaltis.Diferente do que as pessoas acham, eu não acho que pênalti seja loteria. É muito estudo, muita concentração, muita atenção e na oportunidade a seleção croata foi mais feliz”.
O GOL DE EMPATE DA CROÁCIA
Parte física “pegou”
“Podemos fazer uma análise sobre o lance com algumas perspectivas distintas sobre o gol de empate da Croácia. A primeira tem um viés físico. No final do jogo a gente nota que a Seleção Brasileira, mesmo com o ímpeto de atacar se mantendo, fisicamente a gente já começava a demonstrar um certo desgaste, tanto é que depois que a seleção faz o gol gera aquela sensação de emoção e você quer manter a bola mais distante da sua área possível, isso é uma questão treinada e eu concordo com o comportamento, porque às vezes você faz um gol e recua e você corre riscos ali de sofrer um gol de empate. Na minha perspectiva, o que aconteceu é que essa parte física pegou muito no final do jogo. Quando estava lá tentando manter a posse de bola no campo do adversário e de repente sofre uma perda – e acredito que nem os jogadores da seleção esperavam que os croatas estivessem fisicamente tão bem naquele momento do jogo, situação de contra-ataque demonstra esse aspecto. Ali aparentemente nós tivemos um jogador aparentemente com uma lesão ou desgaste extremamente alto em que demorou a dar o combate, mas há também tem a falha coletiva. Jogador que poderia voltar e fazer a cobertura”.
“Fadiga mental”
“No segundo ponto de análise, acho que é uma análise mais contextual: jogos de Copa do Mundo têm um fator emocional extremamente elevado, você tem chance zero de errar, se erra você toma um gol, o que foi o caso do jogo. Se a gente pegar uma tendência muito recente, nós notamos que está associado com elementos de fadiga mental. O jogo tem uma demanda tão alta que os jogadores entram em um estado de fadiga mental e esse estado de fadiga mental afeta as respostas de ordem física, ordem técnica, tática, e de ordem de tomada de decisão do atleta. E a Croácia, historicamente, é uma equipe mais preparada para esses momentos principalmente de definição do jogo, diferente da seleção brasileira, que está acostumada a ganhar seus jogos com um pouco mais de facilidade. No final da prorrogação, esse estado de fadiga mental afetou mais a seleção brasileira e obviamente os jogadores caíram de rendimento (da dimensão tática, técnica, física e até mesmo psicológica). Aí quando isso acontece o nível de concentração baixa e sua fadiga periférica aumenta e sua chance de errar também é maior. Tanto é que, indiretamente, isso parece afetar ali também a definição das penalidades”.
Felippe da Silva Leite Cardoso
Doutor em Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa (2020). Mestre em Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa (2014). Graduado (licenciatura e bacharelado) em Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa (2011). Professor de Futebol na Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. Professor colaborador da Faculdade de Viçosa – FDV. Professor colaborador da Faculdade do Futuro – FAF. Pesquisador colaborador do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Futebol – NUPEF (http://www.nucleofutebol.ufv.br/). Desenvolve trabalhos científicos nas áreas do Futebol, Tática, Análise de Jogo, Psicologia do Esporte, Neurociência e Cognição e ação esportiva
Texto: Ivan Elias
Foto: Divulgação
Print do lance: reprodução internet
Com todo o respeito ao professor, mas… Ser “Novidade” o jogo pelas pontas??? Como é bom ter vivido os anos 70 80… “Bota ponta Telê!”
Qto ao gol da Croácia, é simples, defesa mal postada, todos olhando a bola sem cuidar dos atacantes que se apresentavam. Não fizeram o dever de casa.