Exclusivo: perto dos 45, Ronaldo da Costa busca na sala de aula a receita para formar novos campeões

Você sabia que o primeiro atleta a completar uma maratona com média de velocidade inferior a 3 minutos por quilômetro é brasileiro e participou do Ranking de Corridas de Rua de Juiz de Fora no início de sua carreira? E tem mais: ele foi recordista mundial na maratona de Berlim, em 1998, na primeira vez que disputou a prova de pouco mais de 42km, além de carregar no peito medalhas de campeão da São Silvestre, terceiro lugar no Mundial de meia-maratona – único brasileiro medalhista neste tipo de prova individual – e nos 10 mil metros dos Jogos Pan-Americanos de Mar Del Plata (Argentina). Este é Ronaldo da Costa, de Descoberto (MG), hoje residente em Ceilândia, cidade-satélite do Distrito Federal.

Ronaldo ainda detém o melhor tempo brasileiro em maratonas (Foto: vídeo do site Runnersworld)
Ronaldo ainda detém o melhor tempo brasileiro em maratonas (Foto: vídeo do site Runnersworld)

Prestes a festejar os 45 anos de idade (completa no domingo, 7 de junho), Ronaldo ainda comemorou em maio três anos de trabalhos como assistente técnico no Projeto Olímpico do Instituto Joaquim Cruz, entidade que é mantida e leva o nome do campeão olímpico nos 800 metros em Los Angeles – 1984. Cursando o primeiro semestre de Educação Física, o ex-atleta considerado pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) um herói da modalidade no país, concedeu entrevista exclusiva ao portal Toque de Bola, relembrando desde os primeiros passos em Minas Gerais e as corridas em Juiz de Fora, até as 2 horas, seis minutos e 5 segundos do auge de sua carreira, no inesquecível 20 de setembro de 1998, pelo Mundial de Berlim.

 

Confira na íntegra a entrevista do Toque de Bola com um dos ícones do atletismo nacional:

 

Toque de Bola: Você começou a correr com quantos anos? Como conheceu a corrida?

Ronaldo da Costa:  Comecei a correr entre 15 e 16 anos, em Descoberto. Minha primeira corrida foi no dia 30 de maio de 1987 e daquela prova feita pelo então prefeito Sr. Paulo de Lima, descobri um talento e fui de Descoberto para o mundo.

Toque de Bola: É verdade que moradores de Descoberto te ajudaram no início de carreira? Como era?

Ronaldo: Sim. Inclusive meu amigo, Mazinho Mauad, que me ajudou e incentivou muito no início da minha carreira, pedia dinheiro às pessoas para arrecadar e comprar um tênis no comércio da cidade. Foi muito bacana, isso me ajudou demais.

Nota da redação: O Toque de Bola entrou em contato com o amigo de Ronaldo da Costa, Mazinho Mauad, hoje comerciante em São João Nepomuceno, que confirmou ter ajudado o atleta no início da trajetória nas corridas: “Trabalhei durante cerca de 30 anos no esporte da cidade e sou amigo, estive junto e participei do início da carreira do Ronaldo. Quando as pessoas não acreditaram nele, eu acreditei. Consegui tênis, shorts e blusas para ele pedindo em clubes e no comércio de Descoberto, além de dinheiro para as viagens. As pessoas me perguntavam se ele tinha futuro e eu dizia que era um menino realmente muito bom”, contou Mauad.

E não parou por aí. Alguns dos principais títulos de Ronaldo foram conquistados na época em que o médico Henrique Viana conduzia seus treinamentos. O primeiro contato entre Viana e Ronaldo ocorreu após uma prova em Ubá, que o atleta disputou graças a Mauad: “Falei com o Ronaldo para competir uma corrida em Ubá. Fomos com meu pai em seu carro e Ronaldo venceu a corrida passando por grandes atletas. O Dr. Henrique Viana estava na prova e ficou surpreendido com o Ronaldo. Ele veio falar comigo e disse que o atleta deveria ter um acompanhamento profissional e eu concordei”, relembrou Mauad.

O incentivador de Ronaldo chegou a montar equipe de atletismo com o nome do atleta, ajudando, inclusive, os sobrinhos do campeão mundial até completarem 18 anos.

Toque de Bola: Através de quem acabou indo disputar o Ranking de Corridas de Juiz de Fora? Lembra em que ano começou a disputar?

Ronaldo: Pela Prefeitura de Descoberto junto ao Mazinho Mauad. Foi entre 1988 e 1989 que comecei a participar do Ranking.

Toque de Bola: O que representou essa experiência na sua formação como atleta?

Ronaldo: O Ranking me deu uma grande base para correr as provas do Brasil e até internacionais. Foi muito importante para mim ter participado dessa competição em Juiz de Fora que dura até hoje.

Toque de Bola: Lembra de como eram as provas do Ranking na época?

Ronaldo: Quando comecei, as corridas eram muito boas e disputadas. Claro que não tinha o mesmo número de pessoas de hoje, muitas coisas mudaram, mas só tinha gente de qualidade. Eram atletas de competições mesmo e que iam para brigar pelo pódio. Hoje existem muitas corridas pelo Brasil, então as participações dividem muito e cai o nível de qualidade.

Toque de Bola: Você foi treinado pelo Jeferson Viana em Juiz de Fora. Chegou, de fato, a morar na cidade? 

Ronaldo: No começo só ia nos finais de semana para competir, mas através do Ranking trabalhei e participei da equipe da Facit. Cheguei a morar no bairro Santa Efigênia e na Cidade do Sol por mais ou menos um ano e meio.

Toque de Bola: Houve alguma conquista ou momento em que você percebeu que era realmente especial no atletismo?

Ronaldo: Desde a primeira corrida, quando vi o cartaz pendurado na Prefeitura de Descoberto, já me despertou interesse e pude ver meu talento. Claro que não sabia onde ia chegar, mas graças a Deus e à minha dedicação, força de vontade e perseverança, quebrei todos os paradigmas.

Toque de Bola: Você foi para a São Silvestre como favorito pelos resultados que vinha tendo? Já tratava o primeiro lugar como algo real?

Ronaldo: Participei de quatro edições da São Silvestre. Três antes de vencê-la (em 1994). Fiz uma preparação na Colômbia em 1994 e sabia que poderia ganhar até porque, um ano antes, havia sido o melhor brasileiro na prova, além de que vinha obtendo outras marcas muito boas como nos Jogos Pan-Americanos e Mundial de meia-maratona. Já era um atleta conhecido no esporte.

Toque de Bola: Queria bater o recorde brasileiro no Mundial em Berlim? Em que momento da prova percebeu que poderia abaixar o recorde mundial?

Ronaldo: Estava muito bem preparado, mas não tinha a experiência de correr em uma maratona antes. Preparamos para 1998 com o foco de quebrar o recorde brasileiro mesmo, mas não sei o que aconteceu que consegui bater o mundial. Inclusive meu empresário, no km 35 mais ou menos, disse que eu estava lutando no tempo do recorde mundial. Então fui acelerando e consegui uma marca maravilhosa naquela época. Havia dez anos que esse recorde durava e chega um atleta brasileiro, não-africano, e batia o tempo. Isso era uma maravilha!

Ronaldo cruza a chegada da prova mais importante de sua carreira (Foto: Divulgação)
Ronaldo cruza a chegada da prova mais importante de sua carreira (Foto: Divulgação)

Toque de Bola: Depois disso você não conseguiu manter os grandes resultados. Por que você acha que não continuou com o ótimo desempenho?

Ronaldo: Aconteceram muitas coisas não favoráveis para mim. Problemas particulares e também quando fui para Berlim estava com uma lesão. Então juntou isso e outras coisas mais, e não estava preparado para suportar tudo o que passei. Se fosse hoje, a história seria outra, bem diferente. Mas só tenho que agradecer a Deus. Claro também que nem tudo tem que ser do jeito que a gente pensa, você aprende isso no dia a dia. A vida vai te ensinando. Era muito jovem e talvez não estivesse preparado para bater um recorde mundial. Aí a pressão vem e para segurar é complicado. Hoje trabalho em um programa que tem um psicólogo, dois treinadores, dois assistentes técnicos, uma assistente social, fisioterapeuta… tudo. Se fosse hoje, a história era outra. Aqui nós já preparamos os meninos. Falamos como tudo tem que ser conduzido, a postura do atleta.

Toque de Bola: Faltou um reconhecimento maior no Brasil pelo seu feito?

Ronaldo: Aqui é o país do futebol. Em outros esportes é dividido e o atletismo é o primo pobre de todos eles. Acho que deveria ter um maior reconhecimento das autoridades. Do povo não posso reclamar. Inclusive vão ocorrer as Olimpíadas no nosso país e eles preferem valorizar as pessoas de fora do que os que fizeram alguma coisa para o esporte nacional. Fico triste com isso, mas temos que trabalhar e lutar. Graças a Deus estou feliz em Ceilândia com a oportunidade que o Instituto Joaquim Cruz me deu de estudar e trabalhar.

Toque de Bola: Passa essa sua experiência de vida aos jovens do Instituto?

Ronaldo: Para onde eu vou, passo. Temos que falar das coisas boas e ruins e lembrar aos meninos, que tudo é passageiro.

Toque de Bola: Já teve a oportunidade de voltar a Juiz de Fora?

Ronaldo: Sempre vou querer voltar para as minhas origens, mas faltam oportunidades. Quem sabe no futuro? Não posso dizer que desta água nunca bebo, nada está descartado. Inclusive minha esposa também faz Educação Física e minha ideia é montar um projeto social para trabalhar e dar oportunidades, independente de onde for.

 

Toque de Bola: É verdade que está cursando Educação Física? Tem gostado do curso? 

Ronaldo: O curso de Educação Física já me ajudou muito, abriu minha mente. Venho buscando conhecimento para que eu possa ser um melhor profissional. Estudar nunca é demais, você sempre está aprendendo. Estou no primeiro semestre da faculdade e muito feliz. Tenho certeza de que novos caminhos vão se abrir, as pessoas vão me olhar de uma forma diferente. Não serei apenas o atleta campeão, mas também o professor Ronaldo da Costa.

 

Toque de Bola: Qual é o principal conselho que você dá aos jovens?

Ronaldo: É que estudem. O esporte acompanha, mas passa, e a vida continua com os estudos, que são fundamentais. A vida fica melhor e as portas se abrem mais se você estiver estudando. Então é ter disciplina e estudar. Cerca de 26 anos depois (do início nas corridas) estou aprendendo e é isso que importa.

O atleta ficou conhecido na época como Ronaldinho (foto: site Radiorunning)
O atleta ficou conhecido na época como Ronaldinho (foto: site Radiorunning)

Confira as principais conquistas de Ronaldo da Costa:

– Vencedor da Maratona de Berlim em 20 de setembro de 1998 – Recorde mundial de 2h06m05s;

– Primeira pessoa a correr uma maratona com média inferior a três minutos por quilômetro;

– Vencedor da São Silvestre em 1994 – 44m11s;

– Bronze no Mundial de meia-maratona em Oslo (Noruega), 1994;

– Bronze nos 10 mil metros dos Jogos Pan-Americanos de Mar Del Plata (Argentina), 1995;

– Disputou a fase preliminar nos 10 mil metros dos Jogos Olímpicos de Atlanta -1996;

– Único brasileiro com medalha individual em mundiais de meia-maratona.

 

 

Texto: Bruno Kaehler – Toque de Bola

Fotos: Site Runnersworld, divulgação e site Radiorunning

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Este post tem um comentário

  1. Rodrigo

    E pensar que o Ranking de Juiz de Fora já ajudou na formação de atletas de renome mundial. Hj o que vemos são organizadores se transformando em empresários das corridas (salvo exceções), pessoas que fazem propaganda em troca de uma inscrição e outras que estão mais interessadas em aparecer uma foto do que praticar esportes. A prefeitura praticamente não tem mais controle nenhum sobre os eventos e apenas exige que seu nome seja estampado para publicidade. E as inscrições cada vez ficam mais caras a pedido dos organizadores (ou empresários). Dizem que melhorou muito, mas eu acredito que isso um dia ainda vai melhorar.

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