Exclusivo: Alexandre Ank abre o jogo, desabafa e revela que atuou com “pinçamento na cervical” no Parapan

Superação e conquistas diárias. A vida de Alexandre Ank, de 35 anos, é pautada nestes substantivos. O mesatenista juiz-forano que conquistou recentemente, nos Jogos Parapan-Americanos esse ano o bicampeonato por equipes e o bronze na disputa individual em Toronto, no Canadá, recebeu o Toque de Bola em sua casa, no bairro Nossa Senhora de Lourdes, para uma conversa onde ele conta um pouco da sua história e faz um desabafo sobre a falta de apoio para os deficientes físicos e atletas.

Ank com as quatro medalhas conquistadas em Parapanamericanos
Ank com as quatro medalhas conquistadas em Parapanamericanos

 

  O acidente

Alexandre Ank sofreu um acidente de carro quando tinha 17 anos. Ele voltava de uma partida de futebol de carona com amigos, quando o carro passou por cima de um buraco na pista, rodou e Ank foi arremessado pelo vidro traseiro do carro, destruindo um muro com suas costas. Ficou em coma por 12 dias, passou por seis cirurgias e acabou paraplégico.

  Talento

O início no tênis de mesa ocorreu por acaso. Em 2003, quando foi participar de um evento de natação em Uberlândia, acabou sendo convidado pelo então técnico da Seleção Brasileira, Benedito Kobayashi, para completar um torneio da modalidade, pois um dos atletas havia desistido. Logo em sua primeira competição, Ank conquistou o título na categoria iniciante e ficou em terceiro lugar na disputa com profissionais.

Depois da iniciação no esporte, o atleta começou a treinar na AACD de São Paulo e ficou por lá por três temporadas. Com a carreira em ascensão, Ank recebeu em 2004 o convite para representar a Seleção Brasileira na Argentina, porém com recursos próprios. Isso não desanimou o mesatenista, que encarou uma viagem de 58 horas de ônibus de Juiz de Fora até a Argentina: “Cheguei no campeonato e passei por uma avaliação funcional e eles me subiram de categoria. Mesmo assim, eu ganhei na categoria Classe 4 e fui campeão por equipes na minha primeira competição internacional com a Seleção Brasileira”, relembra o paratleta.

  “Sensação indescritível”

Em 2005, Ank voltou a Argentina para a disputa do Campeonato Panamericano, em Mar del Plata, e conquistou outra medalha de ouro por equipes com a Seleção Brasileira, garantindo sua presença no Parapan-americano de 2007, no Brasil, onde acabou faturando o ouro por equipes e o bronze individual: “Foi a principal competição, é um prazer que não tem como descrever. Defender seu país, dentro de casa, vencendo várias potências e colocar uma medalha de ouro e uma de bronze no peito é uma sensação indescritível”, lembra.

A nova conquista carimbou a presença do juiz-forano nas Olimpíadas de Pequim, em 2008. Ank ficou encantado com o país do tênis de mesa: ”Lá eles têm uma cultura que as crianças vão para centro de treinamentos a partir dos cinco anos para treinar o tênis de mesa, estudar e viver lá. A família recebe todo apoio e suporte. É muita organização e muito diferente do Brasil”, comenta.

Medalhas e prêmios tem lugar de destaque na casa de Ank
Medalhas e prêmios têm lugar de destaque na casa de Ank

 

  “À base de remédios” em Toronto

No Parapan de Toronto, no Canadá, Alexandre sofreu com uma lesão no ombro, que mais tarde acabou descobrindo ser mais séria do que imaginava. “Infelizmente senti muitas dores durante a competição. Joguei à base de remédios no individual e acabei caindo na semifinal para o Ezequiel Oliveira, atleta que venci nas finais do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil, mas estava muito difícil para eu jogar e ele atuou muito bem. Por equipes nós conseguimos ir muito bem e vencer o Parapan-americano”, explica.

  Lesão preocupa

Ank terá que passar pela sua sétima cirurgia para reparar a haste de 30cm que o atleta possui nas costas que estabiliza sua coluna vertebral: “Tive um pinçamento na cervical, e depois de fazer os exames ficou constatado que um grampo da minha haste soltou.  Lá eu não imaginava que era isso e agora estou aguardando os exames para saber quando e como será a cirurgia, para depois de curar, ver a questão de recuperação e de quando vou voltar aos treinamentos para participar das competições necessárias em busca do índice para as Paralimpíadas do Brasil”.

  Rio 2016

Para a vaga olímpica, Ank precisa participar de quatro etapas internacionais – Bélgica, Chile, Argentina e Costa Rica – com o objetivo de aumentar sua pontuação no ranking mundial e, consequentemente, conquistar a participação nas Paralimpíadas do Brasil. Contudo, ele tem a consciência de que o mais importante no momento é tratar bem essa grave lesão:

“Claro que quero muito disputar as Paralimpíadas no Brasil, mas primeiro tenho que pensar na minha saúde. Tenho 35 anos, ainda mais umas cinco olimpíadas pela frente e não posso arriscar tudo para disputar essa só porque é no meu país. Se não tratar bem essa lesão, eu posso deixar de ser paraplégico e passar a ser tetraplégico, o que me deixaria muito mais dependente. Então primeiro vou me recuperar, mas correndo sempre atrás de apoio, porque são muitos gastos para disputar uma etapa internacional. Tenho meus patrocínios, Hiperroll, Fripai, Suprema, AABB, mas são muitos gastos e sem o apoio do poder público é inviável”, reitera.

  Desabafo do campeão

Ank é enfático ao relatar as dificuldades na procura por incentivo para o esporte paralímpico e deficientes em geral: “Tenho uma carreira de mais de dez anos e não lembro de ter ido em uma competição e voltar sem medalha. Esse ano tentei apoio do governo estadual através do Bolsa Atleta Minas Olímpico e não consegui. A desculpa que eles deram é que a preferência é para os mais jovens. Aí eu te pergunto: Quem é o espelho deles no esporte? Porque se você não mantém quem está em evidência, conquista títulos e é referência, em quem eles vão se espelhar? Em Juiz de Fora, eu não tenho apoio. Entra secretário, sai secretário, e você não tem apoio, não tem incentivo. O que mata a cidade é o famoso cargo político. Porque colocam pessoas na Secretaria de Esporte que não têm o mínimo de conhecimento e que fazem a política do eu. Isso não é só no esporte, na de deficiência física também. As pessoas entram lá, sentam no salário, querem se promover politicamente para ganhar um cargo ou uma eleição para vereador, enquanto atletas como eu, Thiago Romão, ficam sem apoio. Cito o exemplo do Thiago porque ele era da ginástica de trampolim, quando começou o Bolsa Atleta no Brasil, em 2004. Nós fomos os primeiros a conseguir, ele trouxe muitos resultados e acabou abandonando a carreira de atleta de alto nível por falta de apoio”.

Ank enaltece o projeto Bolsa Atleta, mas reforça que apenas isso não é o suficiente e se diz enojado com os interesses políticos que, segundo ele, atrapalham o desenvolvimento do esporte em Juiz de Fora e no país: “O Brasil virou uma potência no esporte paralímpico por causa do Bolsa Atleta do Governo Federal, porque é muito difícil você conseguir um apoio, conseguir patrocínio, principalmente no meu caso, de modalidade individual. Esses apoios políticos querem promover ações para ganhar votos, essa é a realidade, e por isso eles buscam os esportes coletivos. A política atrapalha muito e isso me enoja na nossa cidade. As pessoas me param na rua, me cumprimentam, parabenizam pelos meus resultados, em compensação o poder público não faz nada. Estive na Câmara (Câmara Municipal de Vereadores) para poder pedir ao vereador Jucélio, que responde pela pasta dos esportes, um carro para me levar para uma competição no Rio de Janeiro e ele me disse, em resposta por e-mail, que a Câmara não fazia esse tipo de assistencialismo. Se tem a pasta dos esportes, para defender os interesses do esporte, para apoiar o esporte e não podem arranjar para mim, um atleta de ponta, brigando por vaga em Olimpíada, estão ajudando que esporte? Posteriormente reclamei nas redes sociais, e o presidente da Câmara, Rodrigo Mattos, entrou em contato comigo e disponibilizou o carro.  É um pequeno exemplo da falta de apoio e de estrutura da cidade. Então eu acho que quem quer fazer, faz. Você procura os vereadores, eles te enrolam, fazem emenda só quando é do interesse deles para conseguir voto e quem precisa eles não fazem. Acho que eles têm medo de serem engolidos por quem se destaca”, desabafa.

 

  Nota da redação

O Toque de Bola consultou o vereador Jucélio Maria sobre o episódio em que foi citado por Ank. Seguem os principais trechos da resposta enviada ao Toque de Bola:

“Na Câmara Municipal de Juiz Fora existe sim uma Comissão de Educação, Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, na qual já fui presidente, com as seguintes atribuições dispostas no Regimento Interno:  “a) opinar sobre proposições relativas a: 1 – educação, ensino, convênios escolares, artes, patrimônio histórico, cultura e comunicação; 2 – atribuição e alteração de denominação de logradouro público; 3 – turismo, esportes e carnaval; 4 – ciência e tecnologia. b) participar das conferências municipais de educação e de desporto e lazer”. Ou seja, a Comissão não possui recursos para auxiliar nenhum atleta financeiramente, até mesmo porque essa não é a sua atribuição. O que nos cabe enquanto comissão e vereador são: cobrar, propor e fiscalizar o Poder Executivo que haja um incentivo aos nossos atletas, e isso foi feito em várias oportunidades através de requerimentos, pedidos de informação e audiência pública. Nunca disse ao esportista mencionado que a Câmara não faz assistencialismo ou que sua solicitação se enquadra como tal. Inclusive, o Poder Legislativo não faz assistencialismo e nem executa políticas públicas, pois as políticas públicas são de responsabilidade do Poder Executivo. Além disso, no meu mandato, destinamos emendas parlamentares na Lei Orçamentária Anual tanto para a Secretaria de Esporte e Lazer, com objetivo de serem aplicadas junto a projetos paralímpicos, bem como para o Fundo Municipal da Pessoa com Deficiência, o que, infelizmente, não foi repassado ainda pela Prefeitura de Juiz de Fora. Reforçamos que nosso mandato exerce aquilo que a Constituição, Lei Orgânica e Regimento Interno dispõem. Sou representante das demandas coletivas em prol de melhorias no esporte da cidade, bem como para a inclusão da pessoa com deficiência.”

Jucelio Maria – Vereador (PSB-JF)

 

  Batalhas diárias

No dia a dia, Alexandre supera mais dificuldades, porque não pode ser exclusivamente um atleta. Por isso, precisa trabalhar e revela sofrer com empresas justamente por ser um atleta de ponta: “Faço faculdade de Educação Física, sou formado em mecânico industrial e técnico em informática e às vezes você chega na empresa e recebe a seguinte resposta: “Para a vaga que a gente tem, o seu currículo está muito acima”. Além disso, tem o fato de eu ser atleta de ponta, e eles logo pensam: ‘Vou ter que liberar esse cara para competir’, e acabam não me contratando. Elas querem só cumprir a cota de deficientes, e não contratar mão de obra qualificada. Além disso tem a dificuldade diária de mobilidade urbana. Não tem a quantidade suficiente de vagas para deficiente, as calçadas não possuem rampas, os ônibus com acessibilidade geralmente estão com defeito. Então é uma superação diária em todos os aspectos, tanto pessoal, como profissional e no desporto”.

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 “Não me tornei deficiente, e sim, eficiente”

Na vida pessoal, Ank é tranquilo, caseiro e cercado de amigos, com muita história para contar: “Gosto muito de assistir filmes, cozinhar coisas que gosto de comer e encontrar com amigos. Amigos pessoais e que o esporte me deu. Teve uma viagem em 2007 em que fui com mais quatro atletas para três etapas internacionais. Na Romênia, dormia em albergue, na Eslováquia dormia no centro de treinamento, e depois fomos para Sérvia. Passamos por área de conflito, onde tivemos que tirar até a meia do pé para ser revistado. Saíamos nos lugares procurando coisas para comer, porque lá a comida era diferente e o que salvava a gente era Mc Donalds e restaurante italiano. Comi macarrão de tudo quanto é jeito”, contou aos risos.

Alexandre Ank supera diariamente todas essas dificuldades com muita determinação e força de vontade, conquistando vitórias e resultados importantes dando uma lição de vida para todos: “Não me tornei deficiente, e sim, eficiente. A superação está comigo todo dia, vencendo as batalhas contra a mobilidade urbana, a falta de apoio e tudo mais. E eu encaro a sociedade de igual para igual e busco mostrar para a sociedade que somos todos capazes”, finalizou.

 

Texto: Guilherme Fernandes, estagiário do Toque de Bola, sob supervisão de Bruno Kaehler – Toque de Bola

Fotos: Toque de Bola

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