Quem estava, como o Toque de Bola, na arquibancada do estádio José Procópio Teixeira na noite de 30 de maio de 1986, certamente ainda tem a cena viva na memória. Tupi e Vasco, com casa cheia, jogavam pela badalada Taça Cidade de Juiz de Fora quando um jovem árbitro local encarou a principal estrela em ação no campo do Sport.
Adilson José Mattos tinha só 23 anos mas não hesitou em mostrar personalidade para manter as rédeas da partida “quente” diante do aniversariante desta segunda-feira (completa 66 anos no dia 13 de abril) Roberto Dinamite, que encerrou a carreira com 752 gols em 1.180 gols jogos (média de 0,64), jogador que mais gols fez na história do Campeonato Brasileiro (190) e do Campeonato Carioca (279)
Trinta e quatro anos depois do episódio no torneio-relâmpago que por alguns anos comemorava o aniversário da cidade, o Toque de Bola pediu ao atual presidente da Liga Juizforana de Futsal para explicar como foram o lance e o diálogo entre eles nas quatro linhas que resultou na advertência em amarelo.
Estrela x constelação: 34 anos depois, veja como foi o diálogo do cartão
“Me lembro que Antônio Lopes era o técnico do Vasco da Gama. Os bancos de reservas ficavam do lado da sede velha (do Sport Club Juiz de Fora) perto das árvores. Em dado momento houve um tiro de meta favorável ao Tupi. Roberto Dinamite, como era conhecido, não dava distância para a cobrança. Aí educadamente cheguei até ele e pedi que se afastasse para a cobrança, ele se virou e disse: “Sabe com quem o senhor está falando?”. Falei que “sim, com o senhor Roberto”. Aí ele emendou: “Com o capitão do Vasco e estrela desse jogo”. Respondi a ele: “Você é a estrela, mas aqui a constelação sou eu, Adilson Mattos, árbitro dessa partida” e apliquei o cartão amarelo. No mesmo momento Antônio Lopes levantou-se do banco e falou com ele: “Roberto, deixa o rapaz apitar o jogo”. Foi mais ou menos isso. Não houve palavrões ou agressões verbais. Apenas um diálogo em alto nível”, recorda-se Adilson, que destaca não ter ocorrido em todo o jogo qualquer ofensa por parte dos atletas.
“Passei bem naquela prova”
O árbitro não esconde que o atrito marcou, de alguma forma, a sua trajetória: “De fato eu era muito jovem. Estava com 23 anos somente. Para a importância daquele clássico eu era muito jovem sim. Mas fui escalado e acho que passei bem naquela prova”, afirma, citando os seus auxiliares (na época não se dizia assistentes) Vanor Louzada e Antônio Carlos José do Amaral.
Adilson sabia que aquela noite poderia se tonar eterna: “Era mais uma decisão que eu estava no comando entre uma equipe juiz-forana e uma carioca. Foi uma partida super movimentada com substituição de goleiro após grande defesa na cobrança de falta, com um Tupi jogando muito e o placar final de 4×1 não retratou toda a partida”.
Frase de Lopes ficou na memória
Mais até que o cartão mostrado ao ídolo cruzmaltino, o que ficou na memória do árbitro foi a frase do então técnico Antônio Lopes: “Deixa o menino apitar” (Lopes assumiu recentemente a função de dirigente de futebol do Vasco). “Deixo bem claro que o fato de haver advertido atleta de renome não me faz mais ou menos árbitro que nenhum colega. Fez por merecer, apliquei a advertência”.
Margarida sim, mas com todo respeito
Outra curiosidade que o Toque de Bola aproveitou para conferir, 34 anos depois, foi sobre o apelido do árbitro: “Margarida”.
Você já era chamado de Margarida na época? Como conviveu com este apelido? Os jogadores também o chamavam assim, os mais conhecidos?
“Sim. Tinha esse apelido carinhoso. Sempre encarei com naturalidade. Na época tinha o grande amigo (árbitro) Jorge Emiliano no Rio de Janeiro com esse apelido. Dado a semelhança o pessoal passou também a me chamar assim. Com relação aos atletas sempre me perguntavam como poderiam me chamar e eu sempre respondi: desde que seja respeitoso, pode ser Adilson ou com o apelido. Nunca adverti ou expulsei alguém por me chamar pelo apelido. Os próprios atletas já nem se lembravam do meu nome”.
Baixinho comportado
Nas fotos de Jairo Antônio Souza que Adilson enviou para a produção da reportagem, aparece a então revelação vascaína Romário muitas vezes conversando com a equipe de arbitragem. Mattos, hoje associado do Panathlon Club Juiz de Fora, garante que o artilheiro teve comportamento exemplar ao longo do jogo.
O Baixinho, aliás, também se transformaria num dos principais nomes da história do clube e alimentou polêmicas ao longo da carreira, mas – justiça seja feita – raramente criava problemas para a arbitragem.
De acordo com o Net Vasco, a taça marcou o primeiro título interestadual da carreira profissional de Romário, posteriormente campeão da Copa do Mundo pela seleção brasileira em 1994 e considerado o melhor da posição no mundo.
Ficha técnica
De acordo com o site oficial do Vasco, os três últimos gols do Vasco foram assinalados após os 35 minutos do segundo tempo. Romário marcou duas vezes, Roberto e Santos também balançaram as redes e o gol do Carijó foi ainda na etapa inicial, de Sinval.
Seguem a ficha técnica da partida, informada pelo site do Vasco, e uma relíquia: a súmula do jogo, com as assinaturas e tudo mais.
TUPI-MG 1 x 4 VASCO
Competição: Taça Cidade de Juiz de Fora – Final
Estádio: José Procópio Teixeira Filho, em Juiz de Fora (MG)
Data: 30/05/1986 (sexta) – Hora: 21h15
Árbitro: Adilson José de Matos, auxiliado por Vanor Louzada e Antônio Carlos José do Amaral.
Gols: Roberto Dinamite (43’/1ºT), Romário (36’/2ºT e 38’/2ºT) e Santos (45’/2ºT) para o Vasco; Sinval (1ºT) para o Tupi-MG.
TUPI-MG: Ica (Adílson); Silvano, Elvio, Édson e Sinval; Índio, Gérson e Teófilo; Nequinha, Arildo e Geraldinho. Técnico: Moacir Toledo.
VASCO: Paulo Sérgio; Paulo Roberto, Donato (Morôni), Fernando e Paulo César; Vítor, Geovani, e Mazinho (Santos); Mauricinho, Roberto Dinamite e Romário. Técnico: Antônio Lopes.
Texto: Ivan Elias – Toque de Bola, com informações complementares do blog de Lédio Carmona (Globo) e site oficial do Vasco
Fotos: arquivo de Adilson José Mattos – fotos de Jairo Antônio de Souza