O nadador Gabriel Araújo subiu ao lugar mais alto do pódio após vencer os 200m livre e os 50m costas da classe S2 nas Paralimpíadas em Tóquio. Os ouros fazem companhia à prata nos 100 metros costas classe S2 – a primeira medalha brasileira nos Jogos Paralímpicos do Japão, que ocorreram em agosto deste ano.
Este é o resultado mundial de uma semente plantada há sete anos no Clube Bom Pastor: a equipe paralímpica. O Toque de Bola foi buscar os bastidores dessa história e traz o relato de um dos envolvidos na consolidação desta ideia: o primeiro nadador paralímpico, ex-presidente e ex-diretor do clube, Paulo Sérgio Rodrigues da Costa.
Orgulho
Com o sentimento à flor da pele, Paulinho se sentiu orgulhoso ao ver o sucesso de Gabriel. Perguntado sobre como se sentiu ao ver Gabrielzinho no alto dos pódios e retornando triunfal para desfilar em caminhão do Corpo de Bombeiros pelas ruas de Juiz de Fora, o primeiro nadador paralímpico do clube local escolheu uma metáfora bem ilustrativa.
“Meu sentimento foi de grande satisfação. Como a de um produtor que semeou, viu germinar seu plantio, que após cuidado com carinho se transformou em árvore sólida e já deu bons frutos. Que com certeza novos frutos virão”, aposta o pioneiro do Bom Pastor.
Ainda vem mais
Paulinho também acredita que Gabrielzinho será o primeiro de muitos atletas da equipe a conquistarem resultados expressivos. “Os atletas ainda não conseguiram o mesmo resultado que o Gabriel conseguiu, mas o empenho é o mesmo. E se Deus quiser, vamos colher frutos com eles que estão aí seguindo o mesmo caminho. Eu, em especial, tenho uma alegria muito grande por ter sido o precursor disso tudo e estar incentivando essa juventude toda. Alegria maior para mim é essa”, comentou.
Na participação no programa Roda de Toque, da webradio Nas Ondas do Toque, Paulinho contou histórias do projeto, expectativas e as dificuldades para que outras pessoas descubram e desenvolvam os talentos esportivos.
Pioneiro
Paulo Sérgio Rodrigues da Costa tem 56 anos e nada na classe S10. No entanto, até 2014, ele competia nas provas convencionais. A virada da chave na vida do atleta, que era dirigente, veio a partir de um desafio do treinador.
“O Luiz Carlos Pessoa Nery pôs essa sementinha. Me fez ir à uma competição paralímpica no Rio de Janeiro, no Circuito Caixa. Como o Clube Bom Pastor não era cadastrado no Comitê Paralímpico, eu fui pelo Tijuca Tênis Clube. Nessa competição, me sai muito bem, tirei três primeiros e um segundo”, contou.
No ano seguinte, o dirigente Paulo Sérgio cadastrou o clube no Comitê Paralímpico. Ele considera que ter esta equipe dialogava plenamente com o DNA do Bom Pastor.
“O Clube Bom Pastor tem esse perfil de incentivo ao esporte. A equipe paralímpica surgiu, teve crescimento e alimentou o desejo de permanecer nessa corrente. Recebeu todo apoio da diretoria e do clube. Não só incentivar o atleta paralímpico, pensamos na nossa responsabilidade social de inserir e transformar a vida dele de uma forma mais agradável possível. Então, o resultado vai vir naturalmente. Sim, tem toda essa filosofia, principalmente no paralímpico, o esporte é muito mais inclusivo do que buscando resultado”, ressaltou.
Gabrielzinho e a dupla com Fabinho
No primeiro ano, chegaram outros atletas, entre eles, Gabriel Schumann e Manuela Ribeiro. A equipe começou a participar e se destacar nas competições. Por causa disso, houve a aproximação inicial com Gabriel Araújo.
“O Gabriel Araújo já conhecia o Gabriel Schumann em função das competições estudantis. Em 2017, no Circuito Paralímpico em Brasília, o Gabrielzinho ficou com a delegação do Bom Pastor. E ele sempre com a alegria dele, conquistou todo mundo. O treinador Christian Marini sugeriu de chamar o Gabrielzinho. Nessa época, além de nadador, eu era diretor de natação, e fiz o convite. E foi assim que a história dele começou no Bom Pastor”, explicou Paulo Sérgio.
Para a equipe ir longe, precisava de estrutura. O ex-dirigente do Bom Pastor destacou que o clube investiu na capacitação dos profissionais, como o Fábio Antunes.
Ele se tornou não apenas treinador do Gabriel e também é da seleção brasileira sub-20 de natação paralímpica.
“O Gabriel, desde quando nós nos conhecemos, já tinha expectativa muito grande, via nele um potencial muito grande e com o Fábio junto só cresceu. O Fábio participou de vários cursos dentro do Comitê Paralímpico, sempre com suporte da diretoria. Hoje ele está em Tóquio representando o Brasil e a bandeira do Bom Pastor”.
Paulo Sérgio Rodrigues da Costa falou sobre o encontro do treinador com o nadador. “O Fabinho é uma pessoa excepcional. A gente tem muita sorte de ter o Fábio, que abraçou o Gabriel de uma forma admirável. E a gente tem que agradecer muito a Deus dessa dupla que foi formada. A foto dos dois abraçando traduz a ligação dos dois”.
Quilometragem e suporte
No início, Gabriel Araújo deixou Corinto para períodos de treinamento em Juiz de Fora e em São Paulo, onde fica o centro de treinamento paralímpico.
“Ele vinha à Juiz de Fora e ficava hospedado ou na casa do Fábio ou no hotel. Geralmente era na casa do Fábio e vinha e fazia períodos de treinamento. Essa rotina de viagem é muito estressante mesmo, é dentro de ônibus, nem sempre a gente consegue transporte aéreo. É bem estressante essa situação, mas o resultado compensa qualquer coisa”, falou Paulo Sérgio Rodrigues Costa.
Ele também contou que os custos são divididos entre o clube, responsável por bancar os custos do transporte, e o Comitê Paralímpico, que cuida da hospedagem e da realização das competições.
“Sem um suporte, nós temos centenas, milhares de talentos que são desperdiçados por causa do apoio. Infelizmente é isso que acontece. Se não continuar a política do incentivo, nós vamos sempre ter aquele atleta e talento que se destaca individualmente e vai parar ali”, afirmou.
Apoio para os clubes
A partir da experiência como dirigente, Paulo Sérgio Rodrigues Costa explicou que os custos vêm das mensalidades pagas pelos sócios e nem todos concordam.
“Você nunca agrada a todos na gestão de clube. Sempre você escuta comentários que não são agradáveis. Eu acho que o resultado está aí para ver. Eu acho que ninguém contesta o que foi investido está sendo colhido agora”.
Ele ressaltou que a única forma é obter investimentos para tirar esse encargo do sócio. “Nós estamos sempre nessa luta. Para tirar isso do sócio e transformar de uma forma mais profissional, somente através da Lei de Incentivo do Esporte é que nós vamos chegar a um patamar maior”.
No entanto, o atleta paralímpico apontou que não depende apenas do clube, precisa do empresariado aceitar investir no esporte 1% do imposto que pagaria ao governo.
“O empresário visualizar que não está perdendo, na verdade, está ganhando. O dinheiro retorna para ele em marketing junto a sociedade. É triste a gente deduzir que, por não ter um retorno financeiro, a pessoa prefere pagar esse valor ao governo a aplicar em um projeto que vai trazer retorno para ele e também ajuda a milhares de jovens tirando eles do mau caminho e transformando eles em cidadão”, analisou.
Paulo Sérgio Rodrigues Costa usou um exemplo recente para mostrar que o esporte, mesmo com resultado, ainda sofre para conseguir apoio. Ele considera que o país poderia ter resultados ainda mais expressivos nas Olimpíadas e nas Paralimpíadas se a base recebesse investimentos.
“O clube trabalha, faz os projetos, mas aí esbarra justamente naquela situação do empresariado abraçar mesmo a ideia. Se o clube não consegue essa captação, não tem alternativa. Foi o que aconteceu com o JF Vôlei. Se a gente não mudar a mentalidade dos empresários, nós vamos sempre ficar assim, uma hora ganha e outra hora vai tudo por água abaixo. Infelizmente é isso”, resumiu.
A palavra é satisfação
Paulo Sérgio Rodrigues Costa nada desde os 5 anos no Clube Bom Pastor. Em 1995, sofreu um acidente. Desde então, seguiu competindo no convencional, até ideia do treinador de Luiz Carlos Nery disputar nas categorias paralímpicas.
“A minha classe é a S10, a deficiência mais branda, não tem divisão de faixa etária. Em 2019, no último Campeonato Brasileiro, me classifiquei para a final dos 200 medley, onde fiquei em 7º brasileiro. Era eu, Paulo Sérgio Rodrigues Costa, nascido em 1965 e o restante era de 2000 para cima, mas isso é muito gratificante. O esporte no geral tira essa diferença e agrega muito”.
Ele comemora os sete anos de experiência paralímpica. “Se eu tivesse descoberto o paralímpico quando me tornei deficiente, talvez eu teria resultados mais expressivos. Em vez de superação, é a satisfação de colher os frutos do que a gente se propôs a fazer e a satisfação dos benefícios que aquilo ali traz para a gente”, resumiu.
Texto: Toque de Bola – Ivan Elias, Roberta Oliveira e Wallace Mattos
Fotos: Paulo Sérgio Rodrigues Costa/arquivo pessoal
Parabéns Paulinho e a todos que acreditaram nesse projeto. Esse grupo é vencedor não apenas no esporte, mas na vida em geral. Pessoas felizes, comprometidas, dedicadas e um exemplo para muitas que desistem de seus sonhos. Que venham mais bons frutos!!!
Bela reportagem