Crônica: “Foi um gol imoral, covarde!”

No período da pandemia (Covid-19), com quase todos presos em casa, houve quem acreditasse: o ser humano que sobreviver sairá melhor disso tudo.

Vai parar um pouco, refletir, valorizar mais as pessoas em seu redor e dar sentido ao que realmente importa.

Agora, diante da tragédia no Rio Grande do Sul, novamente surgiu um comentário parecido: a corrente de solidariedade será tão forte e contagiante e todos seremos pessoas melhores, mais humanas.

Vamos ao futebol.

Série B. Belo Horizonte. América Mineiro x Santos, dois clubes que de alguma forma também estão se reconstruindo, pelo menos no campo esportivo – vieram de uma queda, um rebaixamento.

Aos 14 minutos do primeiro tempo, diante do atacante Renato Marques, do América, o goleiro do Santos, João Paulo, sente uma dor forte no tendão, levanta o braço sinalizando o que houve e a bola escapa até o adversário, que toca para o gol vazio.

Gol do América. O árbitro, dentro da frieza das regras, não tem outra alternativa: validou o gol, apesar dos protestos de toda a delegação do Peixe e da comemoração constrangida da arquibancada.

 

O goleiro do Santos levanta o braço sinalizando o que houve e a bola escapa até o adversário, que toca para o gol vazio

 

E agora? O América poderia reviver um gesto que marcou época: dar a saída e marcar um gol contra para igualar.

Não. O jogo seguiu, terminou dois a um para o América. E assim ficará registrado na frieza das estatísticas:

“Campeonato Brasileiro Série B – Em 24/05/2024 – Estádio Independência – Belo Horizonte – América Mineiro 2×1 Santos”

Sabem quem definiu bem o fato, ainda no intervalo da partida? O capitão do próprio América, Juninho, que não conhecemos pessoalmente mas sempre admiramos por suas manifestações.

     – Sendo sincero aqui, acho que erramos, quando se fala de fair play. Alguns dias atrás, eu falei sobre essa tragédia de Porto Alegre e cobrei que nós, seres humanos, nos tornássemos pessoas melhores. Na primeira oportunidade que nós tivemos de demonstrar isso, a gente falhou. Não estou aqui falando que o Renato (Marques) falhou. Nós falhamos, na minha humilde opinião.

– Peço desculpas e até espero que não seja nada grave com o João Paulo. Peço desculpas a ele e a equipe do Santos, ao Brasil e a todo mundo. Ah, será que se fosse eles a atitude ia ser diferente? Nossa vida não pode ser movida se aquele ou se o próximo tomasse outro atitude. A gente tem que demonstrar a nossa atitude. Falhamos nessa postura e peço desculpas.

É isso, Juninho.

Foi um gol imoral, covarde!

Desculpem se estou “viajando”, mas o gesto de Renato, chutando para o gol vazio depois que o adversário sinalizou claramente estar fora de combate, foi o mesmo que alguém furar a fila, guardar lugar, vizinho fazer barulho e avisar “se está incomodando chame a polícia”, transferir o problema para o outro, “roubar” clientes e/ou prostituir o mercado, se “vender”…

A pandemia e a tragédia gaúcha, citando só estes dois exemplos, não irão tornar pessoas que não têm valores básicos em cidadãos melhores.

Só vão reforçar o bom caráter dos que nunca deixaram de entender que para viver devemos basicamente conviver.

Com respeito, ética e dignidade.

 

Texto: Ivan Elias – Toque de Bola

Print: reprodução TV

 

 

 

 

 

 

 

 

Ivan Elias

Ivan Elias, associado do Panathlon Club de Juiz de Fora, é jornalista, formado em Comunicação Social pela UFJF. Trabalhou por mais de 11 anos no Sistema Solar de Comunicação (Rádio Solar e jornal Tribuna de Minas), em Juiz de Fora. Participou de centenas de transmissões esportivas ao vivo (futebol, vôlei, etc). Apresentou diversos programas de esporte e de humor, incluindo a criação de personagens. Já foi freelancer da Folha de S. Paulo, atuou como produtor de matérias de TV e em 2007 e 2008 “defendeu” o Tupi, na Bancada Democrática do Alterosa Esporte, da TV Alterosa (SBT-Minas). Criou, em 2010, ao lado de Mônica Valentim, o então blog Toque de Bola que hoje é Portal, aplicativo, Spotify, Canal no Youtube e está no Twitter, Instagram e Facebook, formando a maior vitrine de exposição do esporte local É filiado à Associação Mineira de Cronistas Esportivos (AMCE) e Associação Brasileira de Cronistas Esportivos (Abrace).

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