O Aberto da Austrália chegou ao fim no domingo, 30, com a emocionante vitória de Rafael Nadal, que se tornou o recordista com 21 conquistas de Grand Slam.
Isso só foi possível porque o tenista espanhol comprovou ter vacinado contra a covid-19, assim como o adversário, o russo Daniil Medvedev.
O torneio ganhou manchetes além da editoria esportiva ao ver que um dos principais nomes e favoritos ao título, o sérvio Novak Djokovic, teve a entrada barrada pelo governo australiano.
Número 1 anti-vacina
O motivo é que ele, um notório anti-vacina, não conseguiu liberação das normas sanitárias locais para entrar no país. Após idas e vindas, e explicações até nas redes sociais, Djoko foi deportado no dia em que a competição começou – dando adeus à chance de lutar pelo recorde que Nadal alcançou. Curiosamente, após a conquista dos espanhol, ameaçado de perder patrocinadores e vendo a possibilidade de ser impedido de disputar torneios importantes nesta temporada, fontes próximas ao sérvio agora dizem que ele deve se vacinar.
O Toque de Bola ouviu o publicitário e professor universitário, Rodrigo Arbex, e a advogada responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica da Estácio Juiz de Fora, Rayana Costa. Eles refletiram sobre a necessidade de se informar sobre as leis sanitárias de cada país e o impacto que esta decisão pode causar às carreiras dos envolvidos além das áreas de prática da modalidade.
Polêmicas no esporte
Durante a pandemia Djokovic não foi o único a ser contrário à vacinação. Ele tem a companhia de outros atletas de renome como o surfista Kelly Slater; o quarterback do Green Bay Packers, Aaron Rodgers; e o jogador do Brooklyn Nets, Kyrie Irving.
Recentemente, o técnico Tite informou em coletiva que o lateral do Atlético de Madrid, Renan Lodi, não foi convocado para os compromissos da Seleção Brasileira pelas Eliminatórias contra Equador e Paraguai por não estar com o esquema vacinal completo. E o supervisor, Juninho Paulista, reforçou que o Equador exige as duas doses para permitir a entrada no país.
Outra polêmica ocorreu dentro de um dos grandes europeus, o Bayern de Munique. No fim de 2021, o clube anunciou a redução de salários de cinco jogadores – Joshua Kimmich, Serge Gnabry, Michael Cuisance, Jamal Musiala e Eric Maxim Choupo-Moting – que não queriam se vacinar. Após terem contato com um funcionário do clube que estava contaminado, eles tiveram que ficar de quarentena.
Arrependimento
O lateral Joshua Kimmich, que também defende a seleção alemã, chegou a dizer em outubro que não havia se vacinado por não haver um estudo de longo prazo sobre os efeitos do imunizante no corpo.
Em dezembro, depois de contrair a doença e ter uma leve lesão no pulmão, além de ter sido muito criticado no país e no exterior, Kimmich disse que se arrependeu e que se vacinaria assim que estivesse liberado.
Por causa da sequela da covid-19, ele só pode voltar a treinar em janeiro.
“A gente não pode, nesse tempo de pandemia, colocar lá em cima o direito individual”
Esta é parte da análise da advogada Rayana Costa, responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica da Estácio Juiz de Fora. Partindo do caso Djokovic x governo da Austrália, ela destacou que uma medida básica é se informar e cumprir as normas estabelecidas pelas autoridades do país para onde estiver viajando.
“De acordo com a peculiaridade, com a característica do país, vai definir o que é importante de se criar uma norma para que você consiga seguir, respeitando a autonomia do país, o seu poder de legislar. E que você consiga ingressar no pais e usufruir dos momentos de lazer, de esporte ou trabalho”, explica Rayana.
Em meio à polêmica, nas redes sociais, fãs de Djokovic alegavam que a liberdade dele foi cerceada. Por outro lado, há as alegações que a situação atual é de interesse coletivo.
Individual x coletivo
Rayana Costa pondera como as legislações equilibram o conflito entre individual x coletivo no atual cenário de pandemia.
“A sociedade irá respeitar o direito individual de cada um. Mas essa liberdade tem um limite. E esse limite é estipulado quando essa liberdade do individuo acaba prejudicando a sociedade como um todo. Então quando a gente tem que colocar numa balança a gente tem que ver o que pesa mais: se pesa mais garantir o direito à liberdade e ao individualismo do sujeito ou se pesa mais proteger toda a sociedade. A gente não pode, nesse tempo de pandemia, colocar lá em cima o direito individual de cada um”, argumenta a jurista.
A advogada reforça que os direitos individuais serão preservados. Mas o interesse coletivo é priorizado em situações atípicas, como a causada pela pandemia da covid-19.
“Estritamente nesses casos, não viola o direito individual, mas precisa realmente diminuir o direito individual para que tenha sempre o crescimento da sociedade. O que nós estamos respeitando não é o direito da pessoa se vacinar contra o direito da pessoa não se vacinar, mas é o direito da pessoa que não quer se vacinar contra o direito de toda a sociedade que merece uma saúde íntegra, uma saúde eficaz”, pontua Rayana.
No Brasil
Rayana Costa lembrou outra situação envolvendo legislação na pandemia: o jogo Brasil x Argentina, em São Paulo, pelas Eliminatórias da Copa de 2022 que foi interrompido pelos agentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em setembro do ano passado. O futuro deste jogo será discutido no dia 9 de fevereiro na Comissão de Disciplina da Fifa.
“É uma situação de pandemia, não é um caso isolado, não é uma peculiaridade do nosso país. Eu preservo o direito da pessoa de não se vacinar, de não cumprir a quarentena, e coloco 11 jogadores em campo do (próprio) time e 11 do time adversário em risco, fora os técnicos, médico, reservas, público que estão ali? Esse caso do nosso país que faz com que a gente analise o quão importante é respeitar e seguir as normas de segurança sanitária. E, acima de tudo, verificar que, quando a gente coloca em risco o coletivo e a sociedade, a gente precisa podar o direito individual”, explica a jurista.
Os governos de França e Espanha já manifestaram que, para competir dentro de seus territórios, os atletas deverão estar vacinados. Rayana Costa considera que caso Djokovic x governo da Austrália deve se tornar um precedente para análise de outras situações semelhantes.
“É uma tendência esse tipo de norma, porque, falando a título de esporte, precisamos que nossos atletas e os de outros países estejam de acordo com o seu país de origem bem como os países em que vão ingressar. E pode servir para que os julgadores tenham um parâmetro para, em casos parecidos, possam tomar as decisões da forma mais justa e mais correta”, pondera.
Comprometer a imagem
Esta foi a tônica da conversa da reportagem com o publicitário, mestre em Comunicação, especialista em Marketing e professor da Estácio, Rodrigo Arbex. Primeiro ele destacou que imagem, no contexto do marketing, é a percepção atual das pessoas a respeito de um fato ou produto – e neste caso, o Djokovic e outros atletas são mais que pessoas, mais um esportista de renome e uma marca.
Diante disso, Arbex lembrou que não foi a primeira vez que o sérvio se envolveu em controvérsias na pandemia e isso impactou ainda mais na forma como o público em geral, que vai além do que acompanha o tênis, o percebe.
“A imagem de Djokovic está demasiadamente arranhada e, de certa forma, na contramão do que a ciência, os não negacionistas, têm prescrito, OMS, etc. Em outros momentos, fez festa após um jogo em outro torneio, ficando contaminado com coronavírus e contaminando outras pessoas. Neste contexto, a reputação dele já está ruim porque são reiteradas vezes que ele tomou atitudes na contramão do que é indicado”, relembra.
Mensagem simbólica
Rodrigo Arbex avaliou que o posicionamento do governo da Austrália e a decisão dos juízes sobre o caso envolveram também a avaliação da mensagem simbólica a ser passada com a permanência ou não de Djokovic para disputar o primeiro Grand Slam da temporada 2022.
“O governo da Austrália tem sido, a exemplo de outros governos, firme nessa gestão da pandemia. E nessa disputa simbólica, efetiva e real, fez certo de manter sua postura a despeito de qualquer renome, de atleta, etc. E os juízes do caso pensaram ‘se a gente não dá ganho de causa para a Austrália, se a gente beneficia o atleta, a gente está usando a imagem e o forte simbolismo como atleta de renome para ir de encontro, ou seja, contrário ao que a indicação da OMS representa’”, avalia Arbex.
Dor de cabeça
O publicitário destacou que atualmente não basta apenas pensar no produto, mas também na interação e nos valores que o acompanham. E neste aspecto, Djokovic e outros atletas anti-vacinas ou com comportamentos polêmicos podem enfrentar dificuldades junto a patrocinadores.
“É realmente uma dificuldade vincular a uma marca posturas tão negativas, tão na contramão de alguma pauta comum. As empresas estão de olho cada vez mais nisso, justamente para não queimar o filme ou ficar mal na fita, usando expressões populares com seu público em geral”, analisa.
Voltar atrás
Para tentar diminuir o desgaste da imagem e da reputação, a saída, segundo Arbex, seria Djokovic seguir a postura de Kimmich, que voltou atrás no que anteriormente defendida. No entanto, ele não acredita que o sérvio vá abrir mão da postura que defende.
“Como é algo reincidente não parece ser o caso. Em resposta, ou para salientar ainda mais o ponto ou como uma reação ele foi comprar uma empresa que está tentando desenvolver um tratamento para covid-19. A longo prazo pode ser algo legal. Mas, ao mesmo tempo, em termos simbólicos, demarca ainda mais a questão do simbolismo. Uma pecha de negacionista. Não querer vacina, mas querer tratamento. E ele vai vai acabar se tornando talvez uma porta de entrada para marcas e empresas que têm um discurso também negacionista ou anti-vacina”, avalia Arbex.
“Silêncio é ouro”
O publicitário e professor universitário pondera que as redes sociais ampliaram a repercussão de várias atitudes, levando-as ao conhecimento de um público mais amplo. Para fugir de uma reverberação negativa, a melhor saída é a prudência ao se manifestar.
“A fala, sobretudo por ser uma pessoa muito famosa ou por estar num posto que chama a atenção, as ações têm que ser muito bem pensadas. Quando não puder mudar a postura e não ir na contramão, deve ser mais ‘low profile’, mais na dele. Tem certas coisas que é melhor o silencio. O ditado, se não me falha a memória, ‘a fala é prata e o silêncio é ouro’. Se você não tem certeza da explosão que o comentário vai ter, então é melhor calibrar antes de fazer uma postagem”, aconselha Arbex.
CBV e CBF exigem vacinação
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) publicou em 21 de janeiro a terceira edição do Guia Médico de Sugestões Protetivas para o retorno às atividades do futebol brasileiro.
Segundo o texto, para ser elegível para ser inscrito na súmula, atletas e comissão técnica deverão apresentar à Comissão Médica Especial as documentações referentes aos três critérios obrigatórios:
- Certificado de Vacinação Plena para a covid-19 (período de 14 dias após a aplicação da segunda dose ou a aplicação da vacina de dose única);
- laudos de testes diagnósticos negativos (Pesquisa de Antígenos ou RT-PCR) e
- inquérito epidemiológico.
A Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) colocou no protocolo para a Superliga 2022 que integrantes das equipes, árbitros e delegados das partidas e a imprensa que for cobrir os jogos deverão apresentar comprovante de vacinação plena. Quem não tiver, deverá apresentar o resultado negativo de testes de detecção do vírus da covid feitos até 72 horas antes das partidas.
Texto: Toque de Bola – Roberta Oliveira
Fotos: Joshua Kimmich/Instagram; Carlos Mendonça/PJF; Amanda Perobelli/Reuters; Novak Djokovic/Instagram; Cecom/Unicamp