Juiz de Fora (MG), 15 de fevereiro de 2012
Ameaça de revogação da concessão do Estádio Independência e um possível boicote do Cruzeiro à nova arena. O contrato de parceria feito pelo Atlético com a BWA para comandar o campo do Horto, revelado na segunda-feira, 13, rendeu nessa terça reações pesadas de autoridades e do maior rival alvinegro. A Secretaria de Estado Extraordinária da Copa do Mundo (Secopa) antecipou que a licitação pode ser suspensa caso tenham sido descumpridas condições impostas pelo edital. E os termos do acordo serão enviados para análise da Advocacia Geral do Estado.
O possível vício jurídico seria a participação, na gestão, de membros de clubes. Oficiosamente, os representantes do Galo tratam os termos como um “acordo comercial”, embora o contrato mencione objetivamente administração compartilhada do local. As próximas 48 horas abrirão campo para vários debates e poderão confirmar se a BWA agiu corretamente quando assinou o contrato comercial com o Atlético, lhe dando 45% do líquido arrecadado; mais 45% para a empresa; 5% para o estado e 5% para o América.
Dirigentes do Cruzeiro visitaram o Estádio Independência nessa terça pela manhã e à tarde se reuniram com representantes da empresa BWA por mais de uma hora. O presidente Gilvan de Pinho Tavares, acompanhado do diretor de Marketing, Marcone Barbosa, de Patrimônio, Aristóteles Loredo, e do gerente de futebol, Valdir Barbosa, esteve com executivos do grupo que vieram de São Paulo. O objetivo foi se inteirar sobre a infraestrutura e os valores a serem pagos. Gilvan disse que há chance de acordo comercial. Se não houver, a equipe continuará mandando seus jogos na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas, enquanto aguarda a reforma do Mineirão, revelou o vice-presidente de futebol, José Maria Fialho.
A intenção do clube celeste é atuar no Gigante da Pampulha. “O Mineirão está sendo reformado para ser usado. O Cruzeiro espera ter entre 30 mil e 40 mil sócios-torcedores, o que nos dá todas as condições de atuar lá”, argumenta o dirigente.
Sobre o contrato entre BWA e Atlético, que teria direito a 45% do lucro e veto ao rival na arena na condição de mandante em clássicos, Fialho afirmou que ele está sob avaliação. “Nosso departamento jurídico está analisando, mas sem muita preocupação, pois o governo do estado não vai deixar o Cruzeiro em dificuldades. Já fomos prejudicados com a falta de estádio, deixamos de ser campeões brasileiros em 2010 por causa disso, e estamos certos que tudo será esclarecido.”
Já Marcus Salum, um dos gestores do América, destaca que ouvirá o setor jurídico de seu clube para se pronunciar oficialmente: “Mas não abriremos mão de nossos direitos. O América é o proprietário. Vai jogar lá, o estádio terá nossas cores, teremos datas especiais e muito mais. Foi esse o documento que assinamos com o estado, com duração de 20 anos, para que fossem feitas as reformas”.
O promotor de Patrimônio Público Leonardo Barbela, embora não tenha recebido nenhuma denúncia, não descarta uma análise sobre o documento.
Mineirão
Em meio ao debate envolvendo o acordo entre o Atlético e a BWA, o presidente Alexandre Kalil afirmou que com o modelo de administração do Mineirão, que será reinaugurado no ano que vem, o Galo não tem interesse em mandar suas partidas no estádio. Segundo o dirigente, o clube só teria direito à arrecadação com a venda de ingressos. “O contrato é uma vergonha. Todas as propriedades são da concessionária. Nós estaríamos na mão do futebol da década de 50. Você é o dono do espetáculo e não tem direito a nada. É porque o Mineirão não quer que a gente jogue lá”. Ele disse que tentará negociar mudanças. Sobre a parceria do Independência o clube não se pronunciou.
Palavra de especialista: “Transação dá indicações de manobra”
Eugênio Guimarães Calazans, advogado
Alguns pontos levantam dúvidas a respeito da licitude de toda a operação que findou-se com o contrato firmado entre a vencedora e o Clube Atlético Mineiro. Vejamos: o edital não veda a formação de consórcios na participação da licitação. Mas em seu item 5.8 ele restringe a sua composição por pessoas físicas que sejam ou tenham sido dirigentes ou membros de conselhos deliberativos de entidades desportivas de futebol. Com a assinatura de um contrato intitulado Contrato social da sociedade em conta de participação firmado entre a vencedora da licitação e o Clube Atlético Mineiro, no qual o seu objeto social, estabelecido na cláusula segunda, é a gestão administrativa da arena, percebe-se claramente que a concessão estatal dada à primeira foi repartida sem que o edital permitisse tal transferência. Assim, entendo que a questão deveria ser examinada com mais atento, principalmente pela Procuradoria do Estado de Minas Gerais e o Ministério Público, pois a transação dá indicações de manobra para beneficiar uma agremiação em detrimento de outras.
O que está no papel
2.2 A presente SCP terá por objeto principal a administração, operação e manutenção da Arena Independência
4.4 O fundo social é formado pelo resultado das receitas e despesas obtidas (…) em virtude da operação e manutenção da Arena Independência, seja com a comercialização de direitos de imagem (…), bares(…), bem como serviços complementares associados ao empreendimento, ficando assim distribuído entre os sócios: Clube Atlético Mineiro: 50%; Arena Independência Operadora de Estádio S.A: 50%.
4.5 Considerando que do resultado da venda de tickets para cadeiras de torcedores, nas ocasiões nas quais as equipes de futebol do sócio participante mandarem seus jogos (…) o sócio participante já deterá (…) direito de auferir o equivalente a 90% de tal resultado.
10.1 A sociedade é constituída por tempo indeterminado e vigerá enquanto a Arena Independência Operadora de Estádio S.A existir
11.5 Tanto a sócia ostensiva quanto a sócia participante deverão manter como estritamente confidenciais as cláusulas e demais informações (…) deste contrato
11.9 Cada disposição deste instrumento será considerada como sendo um acordo separado de forma que se quaisquer das disposições aqui contidas forem judicialmente consideradas inválidas, ilegais ou inexequíveis, a validade, legalidade e exequibilidade das disposições restantes não serão afetadas ou prejudicadas
11.12 O sócio participante se obriga a mandar todos os jogos de sua equipe na Arena Independência (…), exceto havendo livre convenção das partes ou nas penalidades imputadas por tribunais de justiça desportiva e por impedimento da capacidade de público segundo regulamento da competição
11.13 O sócio participante tem prioridade na marcação dos seus jogos perante todas as outras agremiações, exceção feita nas hipóteses previstas no contrato de concessão
11.14 A sócia ostensiva não poderá locar a Arena Independência a outra agremiação quando esta for atuar como mandante contra a equipe de futebol do sócio participante, exceção feita…
O que diz o edital do Independência
1.3. O contrato de concessão vigorará a partir da data de sua publicação, e seu encerramento dar-se-á após 10 (dez) anos de vigência, podendo ser prorrogado por meio de termo aditivo.
5.7. Não poderá participar desta licitação, isoladamente ou em consórcio, a pessoa jurídica ou o fundo:
5.7.6. Que tenha como administrador ou integrante do seu quadro societário pessoas que ocupem ou tenham ocupado cargos de dirigentes ou de membros do conselho deliberativo de entidades desportivas de futebol.
5.8. Não poderão participar do certame pessoas físicas que sejam ou tenham sido dirigentes ou membros do conselho deliberativo de entidades desportivas de futebol.
Fonte: www.uai.com.br