“Como manter a rotina de treinos” – Marcus Vinicius

Marcus Vinicius da Silva

Com a Palavra

Por Marcus Vinicius da Silva

Professor da UFJF/Campus GV
Doutorando em Exercício e Esporte UFJF
Mestre em Aspectos Biodinâmicos UFJF
Especialista em Ciência do Treinamento Esportivo UFJF
Licenciado pleno Educação Física UFJF
Vice-coordenador do projeto de corrida e caminhada UFJF/SIASS
Membro do Grupo de Pesquisa em Treinamento Aeróbio FAEFID/UFJF
Consultor de corredores de fundo e triatletas

Como manter a rotina de treinamento com a imprevisibilidade do calendário competitivo de 2020

 Quando as corridas de rua por todo o mundo começaram a ser canceladas, em função da necessidade de evitar aglomerações por conta do novo coronavírus, muitos atletas ficaram desnorteados. Diversos praticantes recreacionais de corridas de rua dedicam entre seis e 12 horas por semana na preparação para as maratonas. Alguns atletas já tinham se preparado de forma específica por pelo menos dez semanas, e nas vésperas da prova surgiu o cancelamento ou adiamento. Por outro lado, atletas profissionais que vivem do esporte também ficaram muito preocupados, pois essa decisão envolveu questões financeiras. É realmente desafiador treinar nessas circunstâncias, mas a saúde mundial deve ser colocada em primeiro lugar.

O que fazer? Bola com o treinador

A partir desse novo cenário, sem competições definidas, e em muitos países o isolamento social imposto, o que fazer? Não há outra saída a não ser reajustar o planejamento. Mas como manter as rotinas de treino de forma motivada, com essa imprevisibilidade? Toda a periodização do treinamento é baseada no calendário de competições, diante disso faz-se ainda mais necessário a atuação do treinador. Ele irá mediar todas as questões relacionadas à manutenção do condicionamento físico e das capacidades psicológicas.

Novas metas

Atletas e treinadores deverão estabelecer novas metas, pois algumas provas foram remarcadas e outras canceladas. Para orientar esse ajuste, podemos destacar três questões importantes: a estrutura disponível para os treinamentos (disponibilidade de esteira ergométrica, materiais para o treinamento de força e espaço disponível); estabelecimento de rotinas de treinamento; e o nível de motivação do indivíduo para dar continuidade a essa preparação.

Com ou sem esteira?

A disponibilidade de uma esteira ergométrica é o melhor cenário, pois possibilita treinamentos bem próximos da especificidade da modalidade. Por outro lado, se esse equipamento não estiver disponível mas se o atleta possuir materiais para o treinamento de força já auxiliará.

 O treinador poderá aproveitar esse momento para desenvolver algumas capacidades físicas que estejam em defasagem, tais como: os diferentes tipos de força, a flexibilidade e os aspectos coordenativos e técnicos da corrida. E ainda, para os corredores de resistência, é necessário incluir treinamentos que envolvam grandes grupamentos musculares, visando à manutenção da capacidade aeróbia. Infelizmente, o espaço disponível para o treinamento de algumas pessoas pode ser reduzido, e ainda, sem equipamentos.

Prescrição individualizada

Nessa escassez de recursos, caberá ao educador físico elaborar uma rotina de treinos com o próprio peso do corpo e/ou com algum objeto que proporcione uma sobrecarga. No entanto, essa prescrição deverá ser individualizada e realizada por um professor de educação física qualificado, e de acordo com os objetivos e nível físico do indivíduo pré-isolamento social. Os treinamentos inespecíficos, e que não estiverem em consonância à individualidade biológica do atleta, poderão ser prejudiciais.

Estabelecer horário e envolver-se na rotina

Outro fator a destacar é a rotina do atleta. Algumas pessoas estão tendo muitas dificuldades para treinar, pois estão desenvolvendo suas tarefas laborais em casa, e ainda precisam cuidar dos filhos que não estão frequentando a escola. Esse é um grande desafio, mas fazer exercício físico é de extrema importância, independentemente da prova que a pessoa irá correr. Inclusive, alguns artigos científicos estão relacionando os óbitos e complicações pelo coronavírus ao sobrepeso e a obesidade. Estabelecer um horário específico para o exercício físico é muito importante, e envolver-se nessa rotina é primordial.

A motivação

Os especialistas em psicologia do esporte já descobriram que a participação em competições é importante para a manutenção dos níveis de motivação do atleta. A participação em eventos esportivos pode auxiliar o praticante de corridas a se manter engajado na prática, principalmente quando ele percebe melhorias nos aspectos físicos e psíquicos. E ainda, na maioria dos casos, os corredores são beneficiados pelo aprimoramento do rendimento esportivo.  Diante dessa impossibilidade de competir, o treinador deverá propor treinamentos desafiantes e diversificados (equacionados ao nível do atleta), para tentar manter o atleta motivado.

Jan Frodeno

“Ironman” em casa!

Ilustrando a elaboração dos desafios para manutenção da motivação, podemos destacar um exemplo bem interessante: Duas semanas atrás o triatleta multicampeão Jan Frodeno (alemão) completou um “Iroman” em sua casa na Espanha (nadou 3,8km numa piscina com correnteza, pedalou 180km com sua bicicleta no rolo e correu os 42,195km na esteira).  Esse feito, conforme constantes postagens em sua página (@janfrodeno), obrigou o atleta a manter sua rotina de treinamento e também motivou atletas de diversos esportes de vários países do mundo. O “evento” foi transmitido ao vivo pelas redes sociais, e arrecadou cerca de 1,1milhão de reais por meio de doações, que foi convertido para os sistemas de saúde da Espanha e da Alemanha para o combate do coronavírus.

Criar desafios pode motivar

O exemplo de Jan pode inspirar atletas a criarem estratégias motivadoras para se sustentarem treinando. Em ação conjunta com seus treinadores, os atletas podem elaborar diversos desafios, como provas de contra-relógio transmitidas ao vivo ou enviadas para os amigos. Para os que possuem esteira ou outros ergômetros, uma possibilidade é convidar colegas na mesma situação a realizarem treinos ou até mesmo uma competição, e com interação em redes sociais.

Metas em curto prazo

Outra questão importante para a manutenção da motivação do atleta é o estabelecimento de metas em curto prazo, que podem ser diversas, tais como: perder peso (caso necessário), melhorar o nível de força (importantíssimo para corrida de resistência), ganhar massa magra, aprimorar as questões técnicas, melhorar marcas pessoais para uma mesma tarefa, entre outras. As metas em longo prazo nesse cenário de pandemia podem ser frustrantes, diante das incertezas do momento.

Criatividade para reinventar

Nesse momento os treinadores, munidos de muita criatividade, terão que se reinventar para proporcionarem exercícios diversos e coerentes à estrutura disponível e capacidade psicofisiológica do atleta. Se esse equacionamento for bem sucedido, provavelmente o atleta manterá sua rotina de treinamentos.  Independentemente do calendário de provas, o mais importante nesse cenário de incertezas é a manutenção do estado geral de saúde.

Artigo produzido por Marcus Vinicius da Silva, com edição do Toque de  Bola

Marcus Vinicius da Silva – marcusufjf –      marcus.silva@ufjf.edu.br 

Deixe seu comentário