Se você pudesse definir sua trajetória de vida em apenas uma palavra, qual seria ela? A escolhida por Tita, massagista do Tupynambás, foi “vencedor”.
Dono de uma fé inabalável e crente na força do trabalho, Edmar Antônio da Silva foi de morador de rua a referência no mundo do futebol. Hoje no Baeta, aos 60 anos, muito mais do que histórias para contar, Tita quer transmitir sua experiência e auxiliar, cada vez mais, no crescimento do clube.

Autor de métodos peculiares, o profissional surpreendeu alguns membros da comissão técnica do Leão do Poço Rico na maneira de trabalhar e se relacionar.
Com passagens de destaque por Cruzeiro, América-MG e Seleção Brasileira, o homem de confiança de Luiz Felipe Scolari falou com exclusividade ao Toque de Bola, declarou-se satisfeito com a atual fase da carreira e disse que ainda tem muito mais pela frente.
Antes do futebol
Nascido em Belo Horizonte, Tita era o segundo mais velho de oito irmãos. A família, de origem humilde, atravessou diversas dificuldades. Foi morar na rua e trabalhar como engraxate aos 10 anos de idade. Aos 12, a convite de um cliente das ruas, entrou para a Guarda Mirim, onde ficou até os 16.
“Fui para a rua. Não é que eu abandonei a minha casa, só fui viver minha vida. Sempre tive um espírito adiantado, uma cabeça de velho (risos). Passei dificuldade, fome… Aliás, vontade de comer. Uns dois anos depois um senhor parou para engraxar e me convidou para conhecer a Guarda Mirim. Fiz uma semana de teste, passei e fiquei lá quase quatro anos”, disse Tita.
Após ser dispensado do serviço militar, trabalhou como “office-boy” e camelô, sem nunca deixar o futebol com os amigos de lado. Assim, conseguiu uma vaga na comissão técnicas das categorias de base do Venda Nova, equipe da capital mineira. Nesse momento da vida, Tita se interessou por massagem e, após alguns cursos, iniciou a carreira de quase 34 anos.
A paixão pelo esporte
Assim como toda paixão, Tita credita a sua relação com o futebol à família. Os avós, o pai e os tios jogaram no futebol amador da cidade, mas nunca trabalharam mesmo, profissionalmente, no futebol. A oportunidade surgiu no Venda Nova, trabalho que fez o massagista receber o convite da sua vida.
“Para trabalhar no futebol, eu tive a chance no Venda Nova. Jogava no time principal e ajudava na comissão das categorias de base. Eu não era muito ruim não, fazia uns golzinhos. Mas aí fui me qualificando no papel de massagista e, de repente, pintou uma chance de ir para o América-MG. No dia que me escolheram eu não cabia dentro de mim, estava estourando”.
Gratidão e mágoa

Após começar a trabalhar no futebol profissional pelo Coelho, em 2000 Tita teve a oportunidade de integrar a comissão técnica do Cruzeiro. No clube celeste, o massagista ficou durante 14 anos e coleciona lembranças boas e ruins.
Nas dependências da Toca, ele concluiu o Ensino Fundamental e o Ensino Médio ao lado de diversos atletas, como, por exemplo, o goleiro Gomes e o zagueiro Luisão.
Graças a isso, Tita conseguiu uma vaga na faculdade. “Sou muito grato ao Cruzeiro, porque eu só tinha o diploma de grupo (Ensino Básico) quando eu entrei lá. Da turma que estudou comigo, só eu passei na faculdade. Tenho o curso de Fisioterapia incompleto, mas tenho o sonho de formar. Tudo isso graças ao Cruzeiro. Fui em 23 países, 19 deles com o Cruzeiro. Isso eu não posso esquecer”, completou.
Por outro lado, a saída do clube celeste carrega uma mágoa por parte do massagista. Em 2013, Tita foi convocado para integrar a comissão técnica da Seleção Brasileira de Felipão, em dois amistosos preparatórios para a Copa de 2014. Ao Toque, Tita confessou que esperava um aumento de salário no momento que retornou da convocação.
“Eu imaginava que, após uma convocação para trabalhar na Seleção Brasileira, eu seria um pouco mais valorizado em termos de salário. Quem está de fora, tem uma visão. Agora, quem está lá dentro trabalhando, sabe. Se eu falar com você quanto que eu ganhava de salário você não vai acreditar. E eu tinha que viver a vida de massagista do Cruzeiro. Eu pedi várias vezes uma remuneração à altura do meu trabalho e da camisa que eu vestia e não tive reconhecimento nenhum, mas mesmo assim sou grato ao clube”.
Scolari: a carona e o apartamento

Figura importante na vida de Tita, Felipão trabalhou com ele, pela primeira vez, no Cruzeiro em 2000. Na época, o massagista ainda morava, como ele mesmo diz, na favela, mesmo sendo da comissão do Cruzeiro. Através de Scolari, Tita conseguiu comprar um apartamento após o título da Copa Sul-Minas daquele ano.
“Felipão me deu 95% de um apartamento e os atletas me deram o restante. Eu morava na favela, em um barracão de telha de amianto de três cômodos. Dei sorte? Eu não acredito em sorte.Trabalho. Competência. Mas Deus colocou o homem na minha vida para me ajudar. Eu estava andando, ele passou de carro e disse que ia me levar em casa. Eu falei que não precisava porque estava com vergonha, mas ele me levou. Ele viu meu barraco e disse ‘Você é meu massagista, vamos ganhar a Sul-Minas e você vai sair daqui’. Ganhamos e eu comprei o apartamento”.
A pré-Copa de Tita
Após a convocação de 2013, Tita viveu a expectativa de ser chamado para a Copa do Mundo de 2014. No entanto, no período da intensificação da preparação para o Mundial, ele havia saído do Cruzeiro e não estava trabalhando. Na opinião dele, esse foi um fator fundamental para que não estivesse na comissão técnica naquele ano.

“Eu não estava trabalhando. Na época, eu não estava mais no Cruzeiro. Saí de lá no início do ano e a Copa foi em junho. Pode ter pesado”, disse Tita.
“Espancamento na minha cidade”
Questionado sobre o resultado da seleção brasileira na Copa, o massagista disse ter sido duro digerir um “espancamento, dentro da nossa casa, na minha cidade e no estádio que dei muitas voltas olímpicas”. A derrota, para ele, foi pior que a sua não-convocação.
“A derrota da Seleção Brasileira, para mim, foi mais frustrante do que não ter sido convocado. A gente sabe que a Seleção são ciclos. Você tem que usufruir e mostrar enquanto você estiver lá. A minha chateação foi o Brasil não ter conquistado a Copa do Mundo, porque se a gente a ganha, eu ia ficar feliz do mesmo jeito. Eu fiz parte da engrenagem que montou a equipe, ia me sentir campeão do mesmo jeito”.
O Baeta e o sonho
Tita chegou ao Tupynambás no final de 2018, a convite do executivo de futebol Alberto Simão. O contato inicial foi feito ainda no meio do ano, quando o Baeta foi a Muriaé e saiu derrotado pelo Nacional, clube que Tita trabalhava na época. Após algumas conversas, as partes acertaram a vinda do massagista a Juiz de Fora, onde ele se diz muito feliz.
“Graças a Deus eu estou satisfeito aqui. Muito feliz. Gostaria até de continuar. Se esse campeonato fosse até dezembro ia ser ótimo. Faço o que gosto, com muito carinho, como se eu tivesse fazendo para mim mesmo. O segredo é esse. Posso te dizer que ainda tenho mais coisas para realizar. Tenho um sonho muito grande de trabalhar em um clube de médio porte como o Tupynambás, e, mesmo depois de tanto tempo fora da mídia, chegar em um ponto mais alto. Queria sair daqui com o Baeta disputando uma Copa do Brasil”, disse Tita.
Diferente? Dezoito elogia

“A experiência junto com a boa vontade dá liga”. Assim respondeu Tita quando perguntado sobre os métodos que utiliza no dia a dia. Isso porque ele surpreendeu muitas pessoas no Tupynambás, especialmente o diretor do departamento médico, Marco Aurélio Del Papa, conhecido como Dezoito. Ele contou ao Toque de Bola que Tita faz coisas que ele nunca viu, mas que dão certo e por isso, o massagista é o melhor com quem já trabalhou.
“É a experiência da vida. Eu já vi os outros fazendo. Nunca subi um degrau sem ninguém me dar a mão, sabia? Eu tenho uma fé em Deus muito grande devido às coisas que já passei na vida. E não é que eu dou sorte, eu corro atrás. Acho que eu sou “tiquinho” capaz de fazer quase 98% daquilo que eu tenho que fazer e Deus (es)tá sempre com a mão sobre mim. Os anjos de luz sempre me ajudaram”, declarou Tita.
Realmente, se tem uma palavra que cabe na trajetória de Tita, é “vencedor”.
Confira, abaixo, em vídeo, os trechos da entrevista de Tita.
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Texto: Toque de Bola (estagiário Pedro Sarmento, supervisão Ivan Elias)
Fotos: Toque de Bola; EM/UAI; Estado de Minas; Arquivo pessoal Edmar Antônio da Silva; Tupynambás/Patrocinio Photo Studio