Carta aos corações botafoguenses

  Caro coração botafoguense,

  Devo te contar que também sou este coração, filha do coração botafoguense da minha mãe. E ela me avisou lá atrás, antes do caos fora e dentro do campo, na pré-temporada em 2020 – que parece que foi há séculos:

  – É, o Botafogo vai cair.

  Tentei ser otimista, alegando que talvez não fosse tão ruim assim quando começasse. Mas ela estava convicta:

  – O Botafogo vai cair.

Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP via Getty Images

  Todo ano ela diz isso. É uma somatória de quem já viu equipes alvinegras que deram alegrias, que causaram raiva e que quase nos deixaram doidas.

  Sim, somos a prática da crônica “O Botafoguense”, de 1956, onde Nelson Rodrigues define este grupo específico de torcedoras e torcedores como “inconfundíveis”. 

  O motivo?

Pois bem: – o torcedor do Botafogo é o único que, em vez de esperar a vitória, espera precisamente a derrota.

  Segundo a observação arguta do cronista, deixamos o futebol em segundo plano, atrás de um “direito sagrado e inalienável”.

 No dia em que retirarem do torcedor alvinegro o inefável direito de sofrer e, sobretudo, o direito ainda mais inefável de descompor o seu técnico, ele ficará inconsolável, como um ser que perde, subitamente a sua função e o seu destino.

  Ou seja, está no DNA, faz parte do pacote, não importa o quão moderno esteja. Temos esse compromisso com o hábito de esperar pelo pior. Como uma autodefesa, um escudo contra a ilusão. Ao mesmo tempo, vamos admitir, desejamos ardentemente ter motivos para viver essa ilusão. No último ano, ele não veio.

  É um comprometimento digno de jornada de elevação espiritual. Alguns momentos, como agora, a um carimbo de voltar para a série B, parecem o pior de todos os tempos. Que nada! Basta olhar ao redor: o que é a tragédia botafoguense perto de tudo que está acontecendo no mundo em que estamos? Uma gota.

  Só que é a nossa gota. A gente não a larga. Mesmo tendo me avisado (o que não deixou de ser um alerta a si mesma), minha mãe segue lendo os jornais e acompanhando o noticiário, fazendo contas e monitorando os rivais. Ela sabe, mas não abandona.

  Alquebrados, chateados, irritados, inconformados, desiludidos, estressados, estes corações como o meu e o dela seguem em frente. Confiando em um sentimento que nos conduz na corda bamba entre nenhuma e a soma de todas as cores. Atualmente, entre querer o milagre e, ao mesmo tempo, saber que a torcida merecia, mas a maioria do atual time não é digna, não.

  É, faz parte. Somos um coração que ignora a racionalidade. Somos conduzidos pela Estrela d’Alva, que acompanhava nossos remadores que chegavam para treinar ao amanhecer. 

  Estamos aí, nesta saga de dias nublados, decepções, trocas de letras, sonhando com o céu de brigadeiro e as alegrias não sejam restritos às atuações do time feminino, as Gloriosas. Indo e vindo, estaremos nesta toada até o dia em que nos tornaremos supernova.

  E não duvide: depois disso também.    

 Texto: Toque de Bola – Roberta Oliveira  

Ivan Elias

Ivan Elias, associado do Panathlon Club de Juiz de Fora, é jornalista, formado em Comunicação Social pela UFJF. Trabalhou por mais de 11 anos no Sistema Solar de Comunicação (Rádio Solar e jornal Tribuna de Minas), em Juiz de Fora. Participou de centenas de transmissões esportivas ao vivo (futebol, vôlei, etc). Apresentou diversos programas de esporte e de humor, incluindo a criação de personagens. Já foi freelancer da Folha de S. Paulo, atuou como produtor de matérias de TV e em 2007 e 2008 “defendeu” o Tupi, na Bancada Democrática do Alterosa Esporte, da TV Alterosa (SBT-Minas). Criou, em 2010, ao lado de Mônica Valentim, o então blog Toque de Bola que hoje é Portal, aplicativo, Spotify, Canal no Youtube e está no Twitter, Instagram e Facebook, formando a maior vitrine de exposição do esporte local É filiado à Associação Mineira de Cronistas Esportivos (AMCE) e Associação Brasileira de Cronistas Esportivos (Abrace).

Este post tem um comentário

  1. Wania

    Meu coração botafoguense concorda…😐😐😐😐😐

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