Luiz Fernando Cunha Júnior: “cabelo black incomoda por ser símbolo antirracismo”

Celsinho é o camisa 10 do Londrina na disputa da série B em 2021
Foto: Gustavo Oliveira/ Londrina EC

As agressões verbais de cunho racial contra o cabelo black power de Celsinho, do Londrina, mais uma vez colocam os holofotes sobre as atitudes de racismo no esporte. Na série B deste ano, em menos de três meses, ele foi alvo de três casos de comentários preconceituosos.

  O mais recente foi no dia 28 de agosto e partiu de um homem identificado como integrante do staff do Brusque Futebol Clube, que estava no camarote acompanhando o jogo.

  O agravante na situação mais recente foi o comportamento do Brusque, que publicou inicialmente uma nota culpando a vítima. Diante da repercussão negativa, o clube voltou atrás e apresentou um pedido de desculpas. No entanto, algumas empresas anunciaram suspensão de patrocínio ao clube catarinense até o desfecho do caso. 

  Agora o caso está nas mãos da Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). O Londrina e o jogador estudam apresentar denúncia em outras instâncias judiciais.

  O Portal de Notícias Toque de Bola conversou com o presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seção Juiz de Fora, Luiz Fernando Cunha Júnior. Ele vai direto ao ponto: o cabelo incomoda quem é preconceituoso. E estas situações vão persistir enquanto não houver uma punição clara e eficiente aos agressores.

Cabelo é símbolo que incomoda

“cabelo black incomoda por ser símbolo antirracismo”
O meia Celsinho sofreu racismo 3 vezes na série B 2021.
Imagem: Sportv/reprodução

  No sábado, durante o empate em 1 a 1 entre Brusque e Londrina, o meia Celsinho, de 33 anos, procurou a arbitragem e denunciou as ofensas raciais que ouviu de um homem presente no camarote do clube catarinense.

  A situação foi citada na súmula da partida pelo árbitro Fábio Augusto Santos Sá Júnior. As agressões raciais faziam referência ao cabelo do camisa 10 do Tubarão.

  Foi a terceira vez que o cabelo de Celsinho foi alvo de comentários de cunho racial.

  Dois casos foram em julho, quase em sequência. Primeiro, um narrador e um comentarista de uma emissora em Goiás e depois o narrador de uma rádio no Pará usaram termos racistas e depreciativos sobre o cabelo do jogador.

  Diante da repercussão, eles pediram desculpas. Os três foram afastados das respectivas emissoras e estão respondendo a processos judiciais.

  “O cabelo Black Power incomoda tanto porque ele é um importante símbolo da luta antirracismo. É um importante símbolo da não aceitação do negro dos padrões impostos a ele pela sociedade branca, já que os homens sempre tiveram que cortar, deixar os cabelos baixos e enquanto as mulheres sempre tiveram que alisar. É o símbolo das nossas diferenças, é o símbolo que mostra a nossa força, a nossa ancestralidade”, disse Luiz Fernando Cunha Júnior.

Nota do Brusque reforça a agressão, segundo advogado

  Como se não bastasse ser o terceiro caso com o mesmo jogador em menos de dois meses, o caso mais recente teve um agravante, na opinião de Luiz Fernando Cunha Júnior: a primeira resposta oficial do clube catarinense publicada no dia 29 de agosto é um exemplo como o racismo estrutural reforçou a agressão ao jogador.

Jogadores de Londrina e Coritiba protestaram contra racismo antes do jogo pela série B
Imagem: SporTV/reprodução

  “Na absurda nota assinada pelo Brusque Futebol Clube, o jogador que é vítima, que foi agredido pela violência racial, foi mais uma vez violentado ao ser acusado de oportunismo e de atitudes antidesportivas. Foi questionado nela o número de casos sofridos pelo jogador tentando colocar ele como um ‘reincidente’ nesse tipo de situações. Todos os homens e mulheres pretos e pretas possuem mais de um relato de terem sido vítimas do racismo dentro da sociedade racista em que vivemos”, disse.

  O Londrina respondeu com uma nota oficial defendendo o camisa 10 das acusações do Brusque e com um vídeo nas redes sociais cobrando uma punição aos envolvidos.

  O presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB seção Juiz de Fora destacou que a reação inicial do Brusque reflete a mentalidade de desmerecer a luta dos pretos e pretas contra os ataques de cunho racial.

  “Na verdade, [Celsinho] trata-se de uma pessoa que se cansou da violência que sofreu e sofre todos os dias e que resolveu falar ao invés de se calar, que é o que essa sociedade racista espera dos homens e mulheres vítimas do racismo. Somente essa sociedade racista é capaz de achar que pretos e pretas se aproveitam do racismo. Só essa sociedade racista é capaz de tentar colocar a vítima como autor. Só essa sociedade racista acha que tem o direito de falar de corpos e cabelos negros e qualquer coisa diferente disso e em contrário a isso é ‘mimimi’”, reforçou.

Sem punição, agressões vão continuar

  O presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seção Juiz de Fora, Luiz Fernando Cunha Júnior, apontou que a falta de punição contra os agressores incentiva que outros casos aconteçam.

  “Nós vemos que é bem evidente o que a impunidade causa. Na grande maioria das vezes, a punição se resume a ‘afastamentos e notas oficiais’, isso quando ocorre. Assim é gerada uma autorização assinada implicitamente pelo racismo estrutural e que faz o autor sinta-se legitimado para voltar a cometer crime”.

  Luiz Fernando lembrou o fato óbvio que situações como as que Celsinho enfrentou são comuns na sociedade brasileira. Por isso, há necessidade de uma resposta à altura.

  “Esse tipo de situação, infelizmente, não se limita ao mundo do esporte. É comum outros relatos também no convívio social e relações profissionais, entre outros. O racismo está enraizado no nosso país e reconhecê-lo e puni-lo é um passo para que a gente comece a vencer este mal”, afirmou.

  Para entender mais sobre os crimes de racismo e injúria racial, além de como denunciar, assista à live do Toque de Bola realizada com Luiz Fernando Cunha Júnior em janeiro deste ano, repercutindo os casos registrados até então.

 

Texto: Toque de Bola – Roberta Oliveira

Foto: Gustavo Oliveira/@LondrinaEC; Beno Küster Nunes/AGIF; SporTV/Reprodução

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