Você fala sozinho? Responde em voz alta a perguntas que você mesmo formulou em voz baixa? Discorda de teses que sua boca mesmo sussurrou segundos antes?
Olha para baixo e, como na letra dos Titãs, sente que “as ideias estão no chão, você tropeça e acha a solução”?
Pois é. Você eu não sei, mas o Rogério Ceni faz isso na beira do campo por 90 e tantos minutos. Não sabemos se conversa, se canta, mas é fato: ele se debate.
Entre andanças de lá pra cá e resmungos no ouvido do quase-um-padre quarto árbitro, eis o Rogério elétrico de sempre.
Em jogo eliminatório, o clube de melhor elenco – disparado – do continente enfrenta um tradicional argentino que vinha mal na temporada até que no primeiro encontro foi valente e o resultado deu empate.
No Rio, chances claras para o favorito, placar zerado até então favorável, mas a equação é batata: bola não entra = drama à vista. Caio expulso, falta, gol dos hermanos. Baixinho, Ceni evoca Anna Júlia (“Eu sei que eu não sou quem você sempre sonhou”) ?
“Vai ter emoção até o fim”, diria o chatésimo bordão-exaustão. Arão empata. Fim do pesadelo? Vai dar Flamengo, com final feliz nos pênaltis?
Nada disso. “Eu tava triste, tristinho”, teria dito o técnico, como na balada de um telegrama do roqueiro Baleiro, rumo ao vestiário e à guilhotina da coletiva pré-assada.
Espere aí, professor. Em que letra, de Titãs, Los Hermanos, Zeca Baleiro, rock, samba, xaxado, xote, blues ou baião, qual poeta soprou a saída de dois jogadores tão acima da média como Everton Ribeiro e Arrascaeta? Talentosos, eficientes, sonhos de consumo de clubes de declarada penúria financeira, caras que decidem…
“Você abusou, tirou partido de mim, abusou?”
Não leve a mal, prof. Descubra na caixa preta das suas vozes de quem partiu a loucura de, quase ao mesmo tempo, deletar dois craques na noite de vai ou fica em que um artilheiro estava fora e outro entrou pela metade – do tempo e do corpo? Pecado capital?
Letra a: Léo Jaime (Ceni por enquanto no Fla). “Quem sou eu e quem é você nessa história eu não sei dizer/…E enquanto a gente pensa/ Que já sabe de tudo/ O mundo muda de cena/Em menos de um segundo”.
Letra b: Fágner (torcida e Jorge Jesus): “Quando penso em você/fecho os olhos de saudade”…
Na véspera do Dia Nacional do Samba, o elétrico Ceni “desplugou” justo os mais afinados.
Texto: Ivan Elias
Arte: Eduardo Antunes – Toque de Bola – a partir de foto de Alexandre Vidal/Flamengo
O Cheirinho voltou? Kkkk
Adorei. Eu vou de letra B Poeta
Sensacional, poético e musical. Parabéns.