
Foto: Toque de bola
“Além do lugar comum de que bicicleta é saúde, bicicleta não polui (pelo menos a pegada ecológica é beeem menor), que bicicleta é esporte, bicicleta é diversão… A verdade é que bicicleta é tudo isso, mas não é somente isso. Bicicleta é meio de transporte. Bicicleta é o ganha-pão de muita gente. Uma bicicleta funcionando, para muitas pessoas, pode ser a diferença entre ir ou não à aula, em conseguir ir ou não trabalhar. Já parou para pensar nisso?”
Esta é parte da avaliação do responsável pelo setor de Mobilidade Ativa da Associação Juizforana de Ciclismo (AJFC), Diogo Borges de Mattos Carneiro, sobre o potencial do uso de bicicleta para a qualidade de vida de Juiz de Fora.
Apesar da falta de dados oficiais, tanto a Secretaria de Esportes e Lazer (SEL) quanto a Associação possuem indícios de que a pandemia trouxe o interesse e a necessidade por este meio de transporte. No entanto, Diogo Carneiro também lembra que a cidade não é segura para os ciclistas. E isso leva desde a perdas sociais e econômicas até as vidas em risco por causa de comportamentos irresponsáveis.
Confira a segunda parte da entrevista dele ao Toque de Bola.
Leia também:
- Pedala JF: impactos do ciclismo são tema de fórum em Juiz de Fora. Panathlon Club é parceiro
- Reuniões, censo, placas: Pedala JF ganha embalo!
- Quer eventos, ciclista? Pesquisa é ponto de partida para calendário em Juiz de Fora
Percepção: há mais bicicletas nas ruas
Em entrevista em janeiro deste ano, o Gerente do Departamento de Práticas Esportivas de Participação e Rendimento da SEL, Fernando Seixas, destacou ao Toque de Bola que os comerciantes informaram aumento da venda de bicicletas em Juiz de Fora.

“O uso da bicicleta cresceu demais durante a pandemia, alguns lojistas e empresários do setor, que também vem dialogando com a Secretaria de Esportes, apontam entre 50% a 150% em termos de aumento da venda da própria bicicleta e de insumos diversos relacionados. Foi um aumento muito grande, foi uma agitação bastante positiva nesse mercado e a gente percebe nas ruas”.
O responsável pelo setor de Mobilidade Ativa da AJFC destacou que a preferência pela bicicleta se deve à necessidade de deslocamento ou uso para esporte/recreação. E aponta que muitas pessoas decidiram pedalar por razões econômicas.
“As pessoas usam a bicicleta para ir/voltar em seus deslocamentos. Não apenas para ir/voltar do trabalho. Mas também para fazer compras, visitas, ir ao médico, ao banco ou à escola, por exemplo. Existe ainda um grande número de pessoas que usa bicicleta no meio urbano como forma de gerar seu sustento. São os entregadores, categoria que cresceu exponencialmente nestes tempos de pandemia”.
Em todos os lugares
De acordo com Diogo Carneiro, os praticantes de atividades esportivas costumam ser mais cuidadosos na escolha dos equipamentos.
“Vendeu-se muita bicicleta neste período, principalmente para uso recreativo/esportivo. Neste caso, os equipamentos – bicicleta, calçados, roupas e acessórios – geralmente são de boa qualidade e adaptados para o uso destinado, oferecendo assim rendimento e segurança aos usuários. Os locais para a prática esportiva ou recreativa geralmente são afastados do centro ou totalmente fora do ambiente urbano, longe do perigoso trânsito de veículos automotores”.

No uso para deslocamento ou trabalho, ele ressaltou que nem sempre as pessoas priorizam a melhor forma para atender às suas necessidades.
“No deslocamento a bicicleta é usada por pessoas como meio de transporte e por pessoas que fazem dela seu ganha-pão. São trabalhadores que, por opção ou impelidos por dificuldades financeiras, optam por este meio ativo de transporte. Alguns entregadores até pedalam bicicletas novas, mas mesmo elas nem sempre são adequadas ou recebem o devido trato para o trabalho a que são submetidas”.
Ele alertou que muitos usuários confiam que não vão enfrentar problemas ao voltar a transitar com um equipamento já conhecido. “Grande parte das utilitárias e que laboram diuturnamente saíram da sombra das garagens e dos depósitos. São bicicletas antigas que perderam a poeira de anos paradas, mas nem sempre recebem a devida adequação mecânica para oferecer segurança aos usuários nas exaustivas jornadas de trabalho”.
Adaptar as cidades
No uso profissional, houve a expansão da área de atendimento por causa dos aplicativos de entrega. O responsável pelo setor de Mobilidade Ativa da AJFC lembra que é um cenário especialmente perigoso para quem está no lado mais frágil na disputa por espaço nas ruas.

“Anteriormente os deslocamentos [eram] restritos aos bairros através de farmácias, açougues e mercearias para entregar seus produtos. Hoje os entregadores e suas bicicletas cruzam a cidade com o auxílio de aplicativos para entregar principalmente comida. Nestes deslocamentos-relâmpago que se estendem em muitos dos casos noite/madrugada adentro, pelo fato de nem as vias nem os condutores estarem preparados para esta convivência, os ciclistas correm inúmeros riscos inclusive de vida, em condições de trabalho extremamente precárias”, ponderou.
Em um campo de interesses onde pedestres, motoristas e ciclistas podem tomar atitudes responsáveis ou não nas ruas, o Toque de Bola questionou Diogo Carneiro sobre como o uso consciente da bicicleta pode contribuir para a qualidade de vida em Juiz de Fora. O ponto de partida da resposta dele foi que o trânsito está perigoso, mas não precisa ser.
“A rua não é, essencialmente, perigosa. Muito do perigo vem de pessoas dirigindo veículos em alta velocidade. Nem poste segura carro desgovernado. Pedestres e ciclistas são as principais vítimas. É muito cômodo acelerar sentado num caixote protegido de aço e vidro de duas toneladas com oito air bags. Só que em cima de cada bicicleta vai uma vida. Às vezes, duas”.
Por isso, o respeito e o cumprimento das leis são fundamentais para salvar vidas. “Fiscalização e campanhas de conscientização precisam ser intensificadas, bem como a gentileza no trânsito precisa ser replicada. A bicicleta possibilita esta gentileza. As cidades precisam ser pensadas e adaptadas para as pessoas e não para carros. Neste tipo de ocupação em escala humana, a bicicleta se integra perfeitamente”.
Quadro complexo
Cada bicicleta no trânsito pode, também, significar um carro a menos e afeta diferentes setores da economia, como enumera Diogo Carneiro.

“Desde as oficinas e lojas especializadas com seus numerosíssimos trabalhadores até os profissionais da saúde, esporte, turismo e empreendedores. Comércio, serviços, transporte, comércio, logística. Todos eles com seus trabalhadores e prestadores de serviços que movimentam recursos na economia são impactados com estas variações”.
Diante de todas estas variáveis, o responsável pelo setor de Mobilidade Ativa da AJFC garantiu que analisar as possibilidades de uso da bicicleta na sociedade não é uma pergunta com resposta óbvia.
“A bicicleta já faz parte da realidade das pessoas que moram nas cidades e também do cenário do trânsito e da mobilidade. Não apenas traz benefícios para a saúde do usuário, mas para a saúde financeira de toda a comunidade. Quanto mais gente usando bicicleta, melhor. Contribui para melhoria da qualidade de vida de todos na cidade, colocando em movimento matéria prima, produtos, alimentos, corpos e ideias. A pergunta, portanto, não é óbvia. Tampouco sua resposta”, finalizou.
Texto: Toque de Bola – Roberta Oliveira
Fotos: Toque de Bola; Stefânia Sangi/UFJF; Diogo Borges de Mattos Carneiro/arquivo pessoal