
Caros e caras, no primeiro episódio da temporada três da agora aclamada série documental da Netflix Drive to Survive, o então campeão Lewis Hamilton responde a uma pergunta com a frase: “money is king”. Traduzindo: o dinheiro é Rei (ou, mais claro ainda, é a grana que manda).
Ele se referia ao fato de o circo da Fórmula 1, em 2020, ter atravessado meio planeta e estar na Austrália para a abertura do campeonato. A data era 13 de março, e a crise iniciada pela covid-19 no ano anterior na China já se instalara na Itália e se espalhava pela Europa. Horas depois, um surto na equipe McLaren seria o estopim do cancelamento do GP da Austrália, em Melbourne, e da transformação de toda aquela temporada.
Mobilização
Você pode se perguntar: mas por que diabos este escriba tá lembrando disso agora? Bem, na época, a mobilização de pilotos, integrantes de equipes e diretores de times pesou para o cancelamento – a direção da Fórmula 1 queria realizar aquele GP e depois abordar o problema -, perecido com o que houve neste fim de semana, na Arábia Saudita.

Desta vez, não era coronavírus, mas a ameaça de um atentado ou ataque, similar ao ocorrido na sexta, dia 25. Enquanto o primeiro treino livre era realizado, a menos de 12km do autódromo de Jedá, um depósito da petroleira Aramco, que por “coincidência” é uma das patrocinadoras máster da Fórmula 1, ardia em chamas após ser alvo de um míssil.
Claro, houve uma mobilização grande – semelhante à da Austrália – entre integrantes, chefes de equipe e os pilotos, o que tornou claro que diversos – Hamilton entre eles – não queriam correr. Reuniões vararam a madrugada para, no fim, decidirem que o GP da Arábia Saudita seria realizado. Como foi, com vitória do holandês Max Verstappen, da Red Bull.
Não tá escrito
Mas, então cabe a pergunta: por que não houve prova na Austrália e na Arábia Saudita sim? Pode-se levantar inúmeras conjecturas, mas, no fim do dia, o tema era o mesmo: seguir adiante com o evento colocaria e colocou a vida dos envolvidos (pilotos, mecânicos, staff, público, etc) em risco. Para perceber porque houve corrida em Jedá, é preciso ir nas entrelinhas.

Para ter o dinheiro árabe, a Fórmula 1 fez um contrato com uma das ditaduras mais sanguinárias do planeta. Mas foi um acordo não escrito e uma atitude a ser tomada que impediu o cancelamento da prova.
Afinal de contas, quem iria dizer ao todo-poderoso da Arábia Saudita, Mohammed Bin Salman – que manda efetivamente no país -, que a corrida não ocorreria? O porta-voz de tal notícia ruim certamente terminaria desaparecendo, assim como foi feito com outros indesejáveis aos olhos do sheik.
Consequências
A uma certa altura das reuniões na madrugada de sábado na Arábia os presentes, inclusive, foram alertados que poderiam ter dificuldade de deixar o país, assim como os equipamentos da Fórmula 1, caso a corrida não fosse realizada. Sim, a categoria foi ameaçada de sequestro coletivo.
Assim, a escolha ficou simples: corre e pode ser que algo aconteça em relação a um atentado, ou não corre e certamente sofre as consequências certas de afrontar um regime autoritário e sanguinário.
Claro, isso nunca será dito assim. Como o comunicado oficial declara, as autoridades de segurança garantiram e redobraram os esforços para assegurar a integridade de todos os envolvidos no GP da Arábia Saudita. Foi o que ocorreu, desta vez… e, ao deixar Jedá, a Fórmula 1 tem uma decisão a tomar com base na pergunta: dinheiro é Rei… mas a que preço?
Texto: Toque de Bola – Wallace Mattos
Fotos: divulgação/Fómula 1; e reprodução/Twitter Felipe Kieling